Ações para prevenir ocorrências como a de Santa Maria vão integrar todas as esferas da Casa Parlamentar
Marina Schmidt
Destacando a importância da esfera legislativa nas discussões sobre segurança, provocadas pelo incêndio que vitimou 238 pessoas em Santa Maria, o presidente da Assembleia Legislativa, Pedro Westphalen (PP), anunciou na tarde de ontem, antes do início da sessão plenária, a instalação de uma comissão especial, designada para avaliar e rever a legislação estadual contra incêndios. A comissão tem 120 dias para desenvolver os trabalhos, prorrogáveis por mais 30 dias.
Westphalen revelou que a Casa dará completa atenção ao assunto, com a participação de todos os deputados, para que as discussões sejam desenvolvidas de maneira ágil.
Além da comissão especial, foi instaurada uma comissão de representação externa, composta por cinco parlamentares, para apurar as situações que culminaram com a tragédia na boate Kiss.
Integram a comissão de representação, dois deputados de Santa Maria: Valdeci Oliveira (PT) e Jorge Pozzobom (PSDB), responsável pela condução dos trabalhos.
As demais comissões e o Fórum Democrático da Assembleia Legislativa também podem integrar os debates sobre o tema. Outra medida anunciada foi a realização de averiguações internas, realizadas por um grupo técnico, integrado por três especialistas, e que terá 30 dias para avaliar as condições do Palácio Farroupilha. Westphalen acrescentou que foi feita a interdição do Teatro Dante Barone, até 28 de fevereiro, para realização dos estudos, e que o decreto que proíbe uso de artefatos pirotécnicos no teatro foi estendido a todas as dependências da Casa.
Pozzobom disse que há lacunas nas leis e que é preciso uniformizar parâmetros e detalhar responsáveis pelas fiscalizações. “O que nós estamos propondo, e que eu conversei com o deputado Valdeci, em Santa Maria, logo após a tragédia, é que nós façamos uma congregação de toda legislação, a federal, a estadual e a municipal”, detalhou.
“A União, o Estado e o município têm a competência para fazer a sua lei. O que nós queremos é que essas leis tenham coerência, sejam complementares e que nós possamos cobrar, de fato, a responsabilidade dessa fiscalização”, acrescentou.
Sobre as responsabilizações Valdeci Oliveira foi além, destacando o papel das punições aos proprietários dos estabelecimentos. “Independentemente de a lei ser estadual, municipal ou federal, ela precisa, além das penalidades, apertar no bolso. Ou seja, tem que ter multas altíssimas, porque daí os proprietários acabam se movendo em função disso”, avaliou.
O anúncio das comissões ocorreu um dia após a entrega de um relatório produzido pelo Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Rio Grande do Sul (Crea-RS), a partir de análises técnicas feitas ao local do incêndio.
“Estamos em contato, permanentemente, com o governo, que está tomando as suas providências, e com qualquer outra entidade que, porventura, possa ajudar, nos consubstanciar, para melhorar essa legislação que é velha, ultrapassada”, afirmou Westphalen.
O presidente da Casa destacou que o trabalho realizado pelo Crea foi “excepcional” e que o relatório do órgão será a base das discussões realizadas pelas comissões.
Alexandre Leboutte
Embora a apreciação da ordem do dia da primeira sessão plenária da Assembleia Legislativa após o recesso parlamentar tenha começado ontem por volta das 15h, em seguida ao período do Grande Expediente – proposto pelo deputado Frederico Antunes (PP), tratando da “fragilidade do sistema elétrico” -, as matérias só foram votadas pouco antes das 17h. Antes, vários parlamentares se revezaram na tribuna para falar – quase todos – de um único tema: a tragédia de Santa Maria e as ações que devem ser desencadeadas pelo Parlamento.
O primeiro a subir à tribuna foi líder do governo na Casa e ex-prefeito de Santa Maria, Valdeci Oliveira (PT), que iniciou o discurso dizendo que “gostaria que o retorno aos trabalhos não fosse tão doloroso”, e ressaltando a “rede de solidariedade” que se formou em torno da cidade. Valdeci também elogiou a ação das autoridades federais, estaduais e municipais, e salientou as iniciativas do Parlamento gaúcho. “A Assembleia Legislativa está, corretamente, tomando providências para aperfeiçoar a legislação, que infelizmente dá brechas para que estabelecimentos funcionem sem as devidas condições”, afirmou, citando a criação de uma comissão externa e uma comissão especial, para acompanhar as investigações e realizar a revisão da legislação.
Maria Helena Sartori, que assumiu a liderança da bancada do PMDB, observou que é preciso fazer uma reflexão sobre os resultados das investigações. “Esta Casa tem o dever de se voltar para isso e de encontrar caminhos, não só com prevenção, através de uma nova legislação”, declarou, apontando que é preciso “estar preparado para o salvamento”, em alusão a uma possível falta de condições materiais do Corpo de Bombeiros. Maria Helena usou, ainda, parte de seu tempo para criticar o endividamento do Executivo, que estaria “comprometendo o futuro do Estado”.
Ex-vereador e ex-secretário municipal em Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB) disse que também se sentia responsável pelo ocorrido, por ter 13 anos de vida pública desenvolvida na cidade, sem que houvesse feito algo para prevenir a tragédia. Dizendo que a investigação policial e a Justiça apontarão aos culpados, Pozzobom conclamou os colegas a tomarem providências para evitar tragédias futuras. “Quero saber o que vamos poder fazer daqui para frente. Vamos assumir a nossa responsabilidade, através dessa comissão especial, que é fazer a revisão da legislação”, defendeu Pozzobom.
A tucana Zilá Breitenbach fez um mea culpa, dizendo que os parlamentares se preocupam muito em legislar, mas esquecem de fiscalizar. “Quando é que nós pensamos em fazer o nosso papel de fiscalização?”, questionou. “Essas milhares e milhares de leis que nós aprovamos e não vamos atrás para saber o que aconteceu, efetivamente, na aplicação dessas leis.” Gilmar Sossela (PDT) sugeriu a construção de uma legislação estadual, como auxílio da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), alegando que os prefeitos acabam sofrendo pressões locais para abrandar as exigências. Frederico Antunes (PP) declarou que “é preciso acabar com o jeitinho brasileiro” e com a tendência de “empurrar com a barriga” a cobrança de aplicação das leis. Paulo Odone (PPS) disse que é preciso “examinar o passado olhando o futuro”, lembrando que existem vários outros segmentos, como casas de festas e creches, que reúnem grande número de crianças e que também precisam de regulação.
Os deputados votaram e aprovaram quatro projetos, na tarde de ontem. Um, do Executivo, cria 15 cargos de administrador para a Central de Licitações, vinculada à Secretaria Estadual de Administração. Outro, de autoria do deputado Aloísio Classmann (PTB), determina ao Estado que comunique aos condutores de veículos sobre o vencimento da Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Proposição do deputado Raul Carrion (PCdoB) denomina Rodovia Daniel Pinto de Oliveira a ERS-165, no trecho entre os municípios de São Luiz Gonzaga e Cerro Largo. A última proposta aprovada na sessão, de autoria do deputado Heitor Schuch (PSB), institui o Dia Estadual do Produtor de Tabaco.
A análise do Crea-RS, realizada por uma comissão de especialistas em segurança contra incêndio, conclui que a legislação atual é “limitada”. “Faltam algumas normas brasileiras específicas e, pior, muitas legislações municipais e estaduais, inclusive a gaúcha, não atentam para esse aspecto”, detalha o documento.
“Propomos que seja feito um novo código estadual”, argumenta o engenheiro Luiz Alcides Capoani, presidente da entidade. “O decreto atual não foi efetivamente discutido na época e dá margem a várias interpretações”, acrescenta, defendendo que seja feito um “trabalho conjunto”, envolvendo vários órgãos e setores da sociedade. Sobre a formação de comissões na Assembleia, Capoani avalia que a proposição do Crea “foi recebida com bons olhos, porque o momento pede isso, caso contrário, não haveria atenção a essa causa”. “A gente tem brigado nos bastidores por muitos anos para que se fizesse essa discussão.”
O presidente da Assembleia, Pedro Westphalen, considerou “legítimas” as críticas de que ações só são tomadas após as tragédias. “Todos temos responsabilidades e não vamos fugir às nossas”, ponderou.
O governador Tarso Genro (PT) retomou os encontros com as bancadas de partidos que compõem a base aliada, ontem. Após o recesso parlamentar, os deputados do PT se reuniram com o chefe do Executivo, no Palácio Piratini.
A pauta, que tradicionalmente envolve o encaminhamento de projetos e o relato de ações realizadas pelo governo, acabou tratando exclusivamente da tragédia ocorrida em Santa Maria. Assuntos como a disputa jurídica das praças de pedágio entre o governo e as concessionárias e projetos de lei com envio aguardado para este ano serão tratados depois do Carnaval.
A excepcionalidade da situação fez com que os deputados buscassem informações sobre os encaminhamentos dados pelo Estado na investigação do acidente. De acordo com o líder da bancada, Edegar Pretto, o episódio centralizou as atenções e esforços do governo, postergando o encaminhamento de outras ações.
“Acabamos ouvindo do governador o que está sendo feito, nos solidarizamos com todo o trabalho que tem sido desempenhado e informamos as ações que a própria Assembleia Legislativa tem providenciado”, disse.
O líder do governo na Assembleia Legislativa, Valdeci Oliveira, informou que a retomada da agenda habitual acontecerá após o Carnaval. Ainda na próxima semana deve acontecer um novo encontro com o governador, que terá como assunto central a questão dos pedágios. “Há uma disputa jurídica, e queremos informações, entender claramente o passo a passo da questão”, afirmou.
Na segunda-feira, a Justiça cassou a liminar que estendia o contrato de pedágio do polo de Carazinho para dezembro, mantendo a previsão do governo de retomada das praças ao controle do Estado para março.
“Claro que vai haver disputa jurídica, as concessionárias vão perder essa barbada, que era explorar os serviços sem cumprir com as obrigações previstas no contrato. Não temos medo do que possa acontecer, é uma grande vitória, após 15 anos desses contratos abusivos”, comentou Pretto.
A bancada do partido também se reunirá com a Casa Civil, na intenção de retomar matérias polêmicas que não foram encaminhadas ao Parlamento no ano passado. “A nossa prioridade são os projetos de lei que tratam sobre o Programa Casa da Solidariedade, a inspeção veicular e os subsídios dos ex-governadores”, elencou o líder da bancada. Os três projetos enfrentam resistência de integrantes da própria base aliada.
Fonte: Jornal do Comércio (RS)