Existe uma atividade em que ser meio deveria ser o seu fim e o seu fim deveria ser, ser meio. Ocorre que esta condição está desvirtuada e o que deveria ser seu fim, tornou-se meio para o seu (outro) fim.
Tá difícil? Vou explicar! Os chamados “meios de comunicação”, principalmente o rádio e a televisão, dependem de concessão pública, ou seja, são autorizados pelo Estado com o objetivo de serem “meios” de comunicação, portanto, o fim (finalidade) do meio de comunicação é ser um “meio” (veículo) que “transporta” a informação entre o fato acontecido e o público.
A Constituição Federal estabelece valores e princípios que deveriam nortear a programação das emissoras de rádio e televisão. No que se trata das emissoras de televisão, é visível e notório que princípios como que estabelecem preferência para programações de finalidades educativas, artísticas e culturais passam ao largo de suas grades de programações.
A atividade, ou seja, o que é transmitido pelos chamados meios de comunicação, se sustenta em um tripé: informação, entretenimento e comerciais. Os dois primeiros, como finalidade de sua existência (voltados ao público) e, o terceiro, para seu sustento econômico (voltado, portanto, para si mesmo, para os seus interesses).
O problema é que para as grandes empresas de comunicação há uma confusão entre essas três atividades, utilizando-se das duas primeiras, com o objetivo de potencializar a terceira. Assim, a informação não é do fato, mas uma versão ao seu gosto do pretenso fato noticiado. Nesse sentido, também é feita a “produção” e a “seleção” das notícias que interessam a si e as corporações que os patrocinam. Assim, portanto, no sentido ideológico.
Também há confusão entre a notícia e o entretenimento; em que a própria notícia vira espetáculo. Nos casos trágicos, por exemplo, não basta dar a informação, mas sim produzi-la, identificando personagens (em geral, vítimas ou parentes destas) que melhor desempenharão o “papel” em frente às lentes visando a dramaticidade pretendida sobre a informação da tragédia-espetáculo. Esse formato tem a função de alienação coletiva, retirando a possibilidade de se refletir na diferença entre o espetáculo e a tragédia, entre a ficção e o real, entre o fato e a versão. Isso explica, por exemplo, o sucesso das novelas e os Big(s) B… que existem por ai.
Por outro lado, há uma campanha regular e cotidiana no sentido de menosprezo e desvalorização do Estado. Essa campanha se intensifica, mais ainda, quando quem está no Governo do Estado (no sentido lato, Estados, Municípios e União) tiver posições políticas ideológicas que não estão de acordo com o que pensam e pretendem os proprietários desses “meios de comunicação”.
Hannah Arendt, em A Condição Humana, diz que a tradição da faculdade (poder) de fazer promessas e, por outro lado, a expectativa de que essas promessas sejam cumpridas, possui um poder estabilizador frente à imprevisibilidade do futuro. Ou seja, frente ao fato de não sabermos o que poderá acontecer no futuro (daqui a pouco, ou amanhã ou “um dia”) fazemos, explicita ou tacitamente, mútuas promessas de comportamento e produzimos expectativas de que tais comportamentos prometidos sejam cumpridos e, com isso, tornamos possíveis as relações humanas e amenizamos o medo do futuro.
Os grandes meios de comunicação prometem, diariamente, transmitir informações corretas, imparciais, frente a uma posição de neutralidade, assim pretendem fazer acreditar que as informações transmitidas são corretas, verdadeiras e imparciais.
Mais do que isso, com essa promessa, e a expectativa de seu cumprimento, transmitem informações mascaradas e produzem um efeito de recepção, adaptação e reprodução de um discurso manipulado que, na verdade, não tem a função de informar, e sim de produzir e transmitir a versão dos fatos no sentido que lhe seja mais apropriado para as suas pretensões.
Com isso, aquilo que chamamos de “meio” de comunicação, que deveria ser o fim (a finalidade) dessas empresas, torna-se meio (não de comunicação), mas para atingir a sua finalidade ideológica, política e, principalmente, empresarial.
Edson Luís Kossmann
Dallagnol Advogados Associados