Tive o prazer de ser entrevistada pelo estudante de Jornalismo da UFRGS, Filipe Strazzer, sobre entrevistas marcantes ao longo da minha carreira, que teve início a partir da minha formatura, em dezembro de 1986. Segue na íntegra e o feedback do seu professor.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE BIBLIOTECONOMIA E COMUNICAÇÃO – ENTREVISTA JORNALÍSTICA
FILIPE STRAZZER SANTIAGO
Minha entrevista é com a jornalista Terezinha Tarcitano. Formada pela Universidade Estácio de Sá, em 1986, no Rio de Janeiro, começou no Jornal do Brasil logo depois de concluir o curso, e chegou a subeditora de política do jornal Última Hora, no início dos anos 1990. Foi assessora de imprensa da prefeitura de Cabo Frio-RJ e trabalhou por 7 anos no The Brazilian Times, em Boston-EUA. De volta ao Brasil, foi assessora na Embratur, no Ministério do Planejamento, Ministério do Esporte e Turismo e, também, da UNESCO no Brasil. Hoje, tem sua própria empresa de assessoria de imprensa, a T. Tarcitano, em Porto Alegre-RS.
A entrevista foi marcada via Facebook para o dia 16 de abril. Como Terezinha é amiga da família, não foi difícil obter o contato. A entrevista ocorreu na casa da jornalista e foi utilizado um gravador para registrar. No final das contas, foi muito mais uma conversa, um aprendizado do que uma entrevista.
Terezinha não tinha uma entrevista marcante em especial. Citou situações que a marcaram bastante e, ao longo da conversa, lembrou-se de mais momentos e entrevistas importantes de sua carreira.
Filipe Strazzer – Qual foi a entrevista que mais lhe marcou?
Terezinha Tarcitano – Tive várias entrevistas que me marcaram, mas as tentativas de entrevistar o Collor foram as principais para mim. Eu estava na editoria de política do jornal Última Hora e, naquele ano de 1989, eu viajava Brasil afora para cobrir as campanhas [eleitorais para presidência]. O jeito que o Collor tratava os jornalistas era de uma forma muito medíocre. Ele só levantava o braço para dizer que era vencedor, fazer os dedos em “paz e amor” ou mandar banana para os jornalistas. A maneira que ele se portava era completamente sem escrúpulos. Toda vez que tentava falar com ele ou fazer uma entrevista, era como se estivesse num patamar acima e o jornalista bem embaixo. Porém, foi a imprensa que o tirou do poder, da mesma forma que o ajudou a entrar. A imprensa tem um poder de opinião pública fantástico. Então, em todas as minhas tentativas de entrevistar o Collor ele não falava, ele gesticulava,e para um repórter, às vezes um gesto vale mais do que mil palavras. Collor era uma pessoa hiper odiada pela imprensa porque se colocava num patamar muito mais alto.
Mas, além de tudo, para mim foi muito mais complicado falar com ele porque eu tive a oportunidade, no jornal Última Hora, de fazer uma espécie de dossiê da corrupção em Maceió [no período que Fernando Collor era prefeito da cidade]. Na época, esse dossiê foi parar nas mãos do ministro da justiça, que na ocasião era Oscar Dias Correia. O dossiê tinha 34 matérias e ele muito queria saber quem era a Terezinha Tarcitano que assinava aquelas matérias. Meu nome foi muito conhecido naquele tempo. Até dei algumas entrevistas para colegas, mas depois eu quis me distanciar um pouco porque, como fiquei em Maceió algum tempo – por 3 vezes estive lá – eu me tornei, digamos assim, uma peça meio que procurada pelo Collor e pela gangue dele. Ele realmente era um cara, e deve ser ainda, muito sem escrúpulos. Mas fiz o dossiê da corrupção,e acho que minha principal entrevista não foi bem uma entrevista, mas foram as tentativas de entrevistar o Collor e todo esse contexto para eu entrevistá-lo, apesar de tudo.
FS – O que tanto incomodava nesse dossiê?
TT – Ele [Collor] se recusava a responder as perguntas porque não tinha como responder. No período de 2 anos que Collor foi prefeito de Maceió, ele compareceu, fiquei sabendo pois estava lá, apenas 2 vezes na prefeitura. Ele fez barbaridades com o povo de lá e eu tenho tudo isso registrado comigo. Foi horrível! Ele, como atuante acerca de um homem público, é tudo de imperfeito. De descontrole emocional a ponto de quebrar uma ilha inteira de edição porque não gostou de alguma filmagem, a ter casas de inferninho. O Collor usava o dinheiro público, como todo o político, de forma irregular. Ele pegou dinheiro do governo federal para fazer um conjunto habitacional e essas pessoas viviam em tendas, sem escoamento, sem saneamento e eu vi! Até contratei um fotógrafo para registrar isso. Então, a vida dele se tornou pública comigo. Meu nome ficou público na ocasião, em 1989, mas Collor acabou sendo eleito e eu ainda tive que fazer a cobertura da posse dele.
FS – Como presidente, foi pior para falar com ele?
TT – Como presidente eu já não atuava mais em Brasília. Como o dono do jornal achou que estava um pouco perigoso para mim, eu fiquei um pouco afastada de lá. Mas ele [Collor] também não ficou muito tempo na presidência.
FS – Os políticos geralmente são avessos à imprensa?
TT – São. E especialmente quando a imprensa sabe de alguma coisa que eles não querem que a gente saiba. Por exemplo, eu me lembro de um ministro da agricultura, que agora não me recordo o nome, que nunca respondia minhas perguntas. Então, eu respondi uma pergunta fazendo uma outra pergunta e ele disse “sim”, confirmando a informação que eu queria. Estava ali meu lide para matéria! Já que ele não me respondia, eu respondi fazendo a pergunta. Eu conduzi, depois, de uma forma bem tranquila a entrevista. Essa matéria acabou virando manchete em Brasília. Você tem que ter muito jogo de cintura com político.
Na época que eu estava no jornal Última Hora, cheguei ao cargo de subeditora de política e é muito triste o que se vê. Eu acho que hoje, com certeza, não toparia trabalhar em editoria política. É muita sujeira, muita cantada. As trocas que eles [políticos] tentam fazer são muito sujas. E te digo, tem muito jornalista que topa, só para conseguir a matéria do ano, ou o nome conhecido. Não é fácil. Mas depois desse tempo, eu nunca mais trabalhei com político.
FS – Hoje você trabalha como assessora de imprensa. Como foi que começou?
TT – Eu iniciei meu trabalho como assessora de imprensa, a partir de novembro de 1990, quando deixei o Rio de Janeiro e fui para Cabo Frio. Fui assessora da prefeitura da cidade e permaneci em assessoria de imprensa a partir de então. Só dei um intervalo de 1993 até 1999 quando morei em Boston e trabalhei no maior jornal brasileiro nos Estados Unidos, o The Brazilian Times. Lá fiz inúmeras entrevistas marcantes.
FS – Pode contar alguma?
TT – Eu cobri muitos casos de brasileiros que se suicidavam. Casos de brasileiros que trabalham lá em subempregos, que vão para lá sem a família. Pessoas que ficavam enviando dinheiro para o Brasil por agências de cambio no intuito de poder ter uma oportunidade de negocio aqui, ou de um imóvel, ou de um carro, para ajudar a família. Muitos deles trabalhavam no sistema double, das 7h às 13h e depois das 14h até a meia-noite. Eles dobravam o turno porque o tempo em Boston é tão feio, tão nublado, causa tanta depressão, que eles quase não dormiam. E muitos dos que cometeram o suicídio o fizeram não só do próprio estresse do trabalho, mas por saberem que as próprias esposas que ficaram no Brasil já tinham feito outra vida às custas do dinheiro que eles enviavam. Cobri mais de 10 casos. Eram coisas como se jogar em lago congelado, se enforcar, dar tiro na cabeça. Ninguém tem a ideia de como vivem os brasileiros no exterior. Então, os suicídios de brasileiros lá foi muito marcante pra mim.Todas as entrevistas, as histórias que eu tinha contato, tudo lá me marcou.
FS – E como vivem os brasileiros no exterior?
TT – Posso dizer que nos Estados Unidos, pelo menos onde eu vivi, tem 3 tipos de brasileiros.A maior parte, por volta de 80%, são aqueles que vivem em subempregos. Trabalham, ralam muito para ter uma oportunidade qualquer. Eles são principalmente de Ipatinga e Governador Valadares [as duas em Minas Gerais]. Tem o brasileiro que vai para lá estudar. Às vezes conseguem um emprego, mas vão principalmente para estudo. E tem o filhinho de papai,que vai para curtir a vida, se divertir. Mas a maior parte vai para subemprego mesmo, lavar a louça. São ilegais e a imigração nos Estados Unidos, por algum fator desconhecido, fecha os olhos. Porém, quando existe uma denúncia ela é obrigada a ir ao local e é obrigada a prender o imigrante. A pessoa é algemada e levada direto para o aeroporto, sem dar oportunidade de pegar seus pertences, de dar um “tchau”. É colocado num avião e vai para “casa”. Mas muitos voltam para os Estados Unidos pelo México, se sujeitando a perigos, a estupros, a mortes. Eu te digo, vi muito brasileiro sofrer muito. Dá até para escrever um livro. Posso te dizer que essas histórias dos brasileiros me marcaram muito mesmo.
FEEDBACK: “Boa entrevista, Filipe! Fostes feliz na escolha da entrevistada e cuidadoso com a precisão das respostas.” Flávio Porcello