Quando falamos em cirurgia plástica, logo nos vem à mente beleza, estética e modernidade. Isso porque a primeira referência escrita sobre a especialidade relata o trabalho do cirurgião hindu Sushruta, que realizou e publicou as primeiras reconstruções nasais em mutilados como punição por adultério ou em derrotados em batalhas, como era costume na Índia, por volta do ano 1400 A.C. Este cirurgião, inclusive, criou uma técnica em que utilizava o tecido da testa para a reconstituição do nariz, intitulada, em sua homenagem, de “retalho indiano”, e muito utilizada, por incrível que possa parecer, até os dias de hoje. Seus manuscritos foram traduzidos para o árabe e, depois, para o persa. Foram difundidos na Europa por volta de 1452 pela família de cirurgiões Branca (Sicília) e, mais detalhadamente, por volta de 1592, por Gaspare Tagliacozze, cirurgião de Bolonha.
Na Primeira Guerra Mundial (1914-1918), o cirurgião neozelandês Harold Delf Gillies destacou-se pelo seu trabalho humanitário e suas inúmeras técnicas utilizadas na reconstrução de mutilados de face, vitimados por graves ferimentos resultantes do histórico e sangrento conflito. Até as duas primeiras décadas do século XX, o ideal de beleza ligada ao status social, especialmente da mulher, exigia dela uma pele alva para não parecer uma camponesa que, por necessidade, se expunha diariamente ao sol. Com a revolução industrial, entretanto, os trabalhadores, antes camponeses, passaram a permanecer confinados nas fábricas e, consequentemente, pouco expostos aos raios solares. A partir de então, inverteu-se o ideal de beleza que passou a ser a pele bronzeada.
Paralelamente a isso, a maior participação da mulher na sociedade, no trabalho e suas conquistas por liberdade acabaram permitindo a ela maior exposição do seu corpo, desencadeando e proporcionando uma preocupação e valorização mais intensas da aparência física. Em meados dos anos 40, a cirurgia plástica estética foi ganhando mais espaço e reconhecimento mundial, especialmente por meio da criação de várias escolas capitaneadas por grandes cirurgiões que lutaram para que se formassem novos adeptos, organizados em associações, realizando congressos e reuniões científicas para a troca de conhecimento.
No Brasil, tivemos grandes pioneiros, a exemplo dos Drs Prudente, Rebello, Spina, Ariè (São Paulo), Rebelo e, especialmente, Ivo Pitanguy (Rio de Janeiro) – que, seguindo o espírito entusiasta, humanista, mas fundamentalmente pelo amor e dom em transmitir de seu mestre mais famoso, Sir Harold Gillies, contribuiu, decisivamente, para que a cirurgia plástica brasileira fosse reconhecida hoje, senão como a melhor, mas, certamente, como uma das mais respeitadas do mundo, representada pelos chamados ex-alunos do Professor Pitanguy, espalhados pelos cinco continentes, levando junto com eles o conhecimento técnico e científico, mas, sobretudo, o espírito humanista e solidário que é a origem e a essência dessa grande escola.
Uma paciente que pretende se submeter a uma cirurgia de prótese mamária ou lipoaspiração, nos dias de hoje, provavelmente não imagina o quão antiga é a cirurgia plástica e o quanto se teve de lutar contra dogmas religiosos que a proibiam de fazer tal procedimento ou ao estudo da anatomia humana, preconceitos morais, entraves políticos e toda sorte de dificuldades.
Quanto sangue inocente foi derramado em guerras violentas, por armas criadas pela genialidade científica humana, a mesma capaz de desenvolver a Medicina e a própria cirurgia plástica! O que nunca mudou desde o ano 1400AC até hoje é o sentimento que move o médico a lutar pelo bem-estar de seu paciente, seja ele um grave mutilado de guerra ou uma jovem infeliz com sua aparência estética: a empatia, que é a a capacidade de se colocar no lugar do outro e compreender o seu sofrimento.
Dr. Pedro Alexandre
Cirurgião Plástico