Incrível como o vestibular mudou da década de 1980, quando me submeti a essa maratona de provas, para os dias de hoje. Recentemente, tenho revivido, por enquanto por intermédio de um dos filhos e dos filhos dos amigos, esse importante rito de passagem.
Meu próprio vestibular encarei como se fosse uma questão de vida ou morte. Hoje, em retrospectiva, é fácil constatar o exagero dessa (auto)cobrança. A gente tem a impressão de que, se não ingressar instantaneamente na universidade, ficará para trás: na profissão, na vida, em tudo. Como se ao longo da nossa existência fizesse alguma diferença ter se formado dois ou três anos mais tarde.
Dá gosto de ver os que, apesar de não lograrem êxito na primeira, segunda ou terceira vez, não desistem. Para quem opta pela Medicina, não raro são muitas as tentativas até que o sonho se concretize. Aconteceu com a filha de amigos muito queridos, que acabou por passar nos primeiríssimos lugares no vestibular. Exemplo de perseverança e de confiança em si mesma.
Durante os anos da faculdade, minha turma foi contemporânea da Lei do boi, revogada em 1985, certamente por influência dos novos ares democráticos que se avizinhavam – nossa Constituição Cidadã é de 1988. O pessoal mais novo talvez nem saiba que ela tenha existido por 17 anos. É realmente notável a mudança de paradigmas que se operou de lá para cá.
A lei parece ter surgido para dar oportunidade de estudo e trabalho àqueles que tiravam seu sustento da terra fossem ou não proprietários rurais. No entanto, diante das distorções da sua aplicação prática, os filhos dos latifundiários, ao fim e ao cabo, foram os verdadeiros beneficiados. Acabou por facilitar a vida (dura) da elite rural, ingressando com mais facilidade nas faculdades de Agronomia e Veterinária das universidades federais. Era por aí a linha de raciocínio.
Hoje, em tempos de lei de cotas nas universidades públicas, da opção constitucional pela discriminação positiva visando à redução das desigualdades sociais, a famigerada Lei do boi parece uma realidade muito longínqua. A história nos dirá, irremediavelmente, se a atual opção pela discriminação positiva terá gerado os efeitos práticos pretendidos.
Torço para que não só de cotas vivam os menos afortunados. E para que durante a vida escolar tenham efetivo acesso ao ensino público de qualidade, exatamente como aqueles que frequentam as escolas particulares. Que os nossos jovens, independentemente da classe econômica ou social a que pertençam, concorram, em pé de igualdade, pelas tão cobiçadas vagas nas universidades, quer públicas, quer privadas.
Marta Leiria Leal Pacheco
Procuradora de Justiça do Estado do RS