O continente americano encerrou o semestre de maior violência contra jornalistas em dez anos e viu as ameaças à liberdade de imprensa atingirem um novo patamar, com a intimidação de fontes e repórteres nos Estados Unidos e o uso de mecanismos de coerção econômica contra meios de comunicação em países como Argentina e a Venezuela.
Entre março e setembro, 14 jornalistas foram assassinados na América Latina, um recorde para a última década, segundo dados divulgados ontem pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que realiza sua 69.ª Assembleia Geral em Denver, nos Estados Unidos. Dois deles foram mortos no Brasil.
“Todos os casos permanecem impunes”, disse ao Estado o presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Informação da entidade, Claudio Paolillo. Segundo ele, o assassinato de jornalistas tem impacto intimidador sobre a imprensa e aumenta a possibilidade de que repórteres passem a praticar a autocensura para se preservar.
Ao lado da violência, aprofundou-se o ataque à imprensa em outros países da região. Inúmeros jornais da Venezuela deixaram de circular pela impossibilidade de importar papel jornal – insumo que não é negado às publicações controladas pelo governo. Na Argentina, os meios de comunicação independentes estão sendo estrangulados economicamente pela decisão do governo de proibir anúncios de redes de supermercados e de eletrodomésticos.
Imposto há oito meses, o “boicote publicitário” levou a uma queda de receita de 20% dos veículos independentes, o que pode representar US$ 60 milhões anuais, de acordo com relatório sobre a Argentina apresentado ontem.
A restrição da publicidade privada foi acompanhada da expansão dos anúncios oficiais, canalizados para os veículos alinhados com o governo. “Além dos meios diretos de cerceamento, alguns governos estão usando meios econômicos que secam fontes de receita dos meios de comunicação, observou Alexandre Jobim, presidente da Associação Interamericana de Radiodifusão.
Ofensivas para suprimir a imprensa independente também estão sendo promovidas na Bolívia, na Nicarágua e no Panamá. No Equador, entrou em vigor há quatro meses a Lei Orgânica de Comunicação, que estabelece amplo controle estatal sobre a atuação da imprensa e permite a interferência governamental no conteúdo jornalístico.
“Nenhum país da região está vacinado contra a essa doença”, ressaltou Paolillo, em referência às tentativas de cercear a atuação da imprensa sob o slogan da “democratização”.
Em sua opinião, a situação ficou mais sombria depois da revelação de que os Estados Unidos mantêm um extenso sistema de monitoramento das comunicações de seus cidadãos, o que compromete o sigilo da relação dos jornalistas com suas fontes.
Além de ameaçar a liberdade de imprensa no país, a prática de espionagem debilita a imagem internacional dos Estados Unidos como uma referência nessa área. “Governos na Argentina, no Equador, na Venezuela vão poder dizer: ‘se o governo americano está espionando seus jornalistas, por que nós não podemos fazer o mesmo?'”, lamentou Paolillo.