A falta de julgamentos faz o Rio Grande do Sul perder milhões de reais em multas por danos ambientais. A Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema), a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Batalhão Ambiental da Brigada Militar deixam prescrever autos de infração.
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) fez inspeção extraordinária nos três órgãos analisando período de 2007 a 2011. Os resultados foram divulgados após parecer do Ministério Público de Contas. O procurador-geral do MPC, Geraldo da Camino, pede multa para 17 gestores e ex-gestores e ex-comandantes da Brigada Militar (BM), além da devolução de R$ 32,6 milhões e novos cálculos, já que o prejuízo é maior.
Os auditores apontaram uma série de falhas que deixam infratores livres da punição. Com a ineficiência, valores das multas não chegam aos fundos criados para financiar melhorias na área. A inspeção revela ainda falta de controle das medidas de recuperação dos danos ao meio ambiente.
As informações foram divulgadas na manhã desta sexta-feira no programa Atualidade, da Rádio Gaúcha.
A Sema e a BM são responsáveis pela fiscalização e julgamento das infrações no setor florestal, como o corte ilegal de árvores. Depois de receber a autuação, os responsáveis pelo dano podem se defender em duas juntas, de primeira instância e de recurso. Elas são formadas por servidores da secretaria e oficiais da Brigada Militar.
Entre 2009 e 2011, a junta de primeira instância, presidida pela Brigada Militar, declarou prescritas multas somando R$ 11,8 milhões. Mas as perdas são ainda maiores. Pelos dados da inspeção, aguardavam julgamento autos que chegam a R$ 42,7 milhões, referentes ao período de 2002 a 2011. As infrações até 2006, que somam R$ 20,7 milhões, já estavam prescritas. Se considerar os autos de 2007, prescritos após a conclusão da auditoria, a perda é de mais R$ 8,5 milhões. Somando tudo, a conta chega a R$ 41 milhões que deixam de ser pagos pelos infratores.
A prescrição ocorre quando o julgamento não é feito até cinco anos após a infração. Nos danos causados a partir 22 de julho de 2008, o infrator também fica livre do pagamento se o processo permanecer três anos sem movimentação. Se considerar os valores de 2008 e 2009, a perda de valores pela prescrição pode ser ainda maior. A auditoria não aponta o tamanho desta perda.
Na junta de recurso, a segunda instância, os processos também ficam parados. A Junta Superior de Julgamento de Recursos fica na Secretaria do Meio Ambiente. De agosto de 2009 até 2011, ela esteve sem presidente e membros, ou seja, sem julgamentos. Pelos dados repassados à auditoria, 1.352 processos aguardavam julgamento, somando R$ 14,9 milhões. Como não foram dadas informações sobre datas, não se sabe qual é a prescrição.
Com infratores deixando de pagar milhões de reais, pouco dinheiro chega ao Fundo de Desenvolvimento Florestal (Fundeflor). De 2007 a 2011, foram pagos apenas R$ 311 mil. A Sema não apresentou ao TCE valores recolhidos pelo Fundo Estadual do Meio Ambiente (Fema).
Os auditores do TCE revelam que a lentidão prejudica o encaminhamento dos produtos apreendidos. Não há documento que comprove a destinação. Na grande maioria dos casos, são madeira serrada e lenha, que deveriam ir para doação a entidades. Os processos também não apresentam a prova da fiscalização do projeto de reparação do dano, no caso, plantio de milhares de mudas de árvores.
A inspeção extraordinária confirma desorganização na Fepam, fundação responsável por fiscalizar e licenciar atividades e empreendimentos que possam gerar impacto ambiental. Entre 2007 e 2010, foram emitidas 2.997 cobranças de multas, somando R$ 24,5 milhões. Somente 36,5% do valor foi pago.
Os julgamentos se arrastam na Fepam. No total, 909 autos de infração de 2002 a 2006 estavam pendentes e já prescritos na época da auditoria. Como valores são colocados apenas após julgamento, o tamanho da perda é uma incógnita. Na análise do uso do Termo de Compromisso Ambiental (TCA), foram encontrados erros: valor pago diferente do estabelecido, ausência de atualização monetária dos valores cobrados e falta de fiscalização do cumprimento de cláusulas do TCA.
O Ministério Público de Contas pede a devolução de R$ 32,6 milhões e multa para cinco ex-comandantes da BM. Na Sema, o procurador-geral do MPC, Geraldo da Camino, quer multa para sete ex-secretários. Na Fepam, o parecer é pela multa para seis servidores. Nos dois órgãos, o MPC solicita Tomada de Contas Especial para quantificar os prejuízos. O procurador-geral recomenda aos atuais gestores adoção de medidas para corrigir as falhas.
— Certamente o dano está quantificado. A ineficácia e não cobrança destes valores levam ao aumento da sensação de impunidade, portanto a finalidade principal da sanção deixa de ser atendida — afirma Geraldo da Camino.
Nos próximos meses, devem ser julgados no plenário do Tribunal de Contas do Estado os três processos. O relator é o conselheiro Estilac Xavier.
Contraponto: o que dizem os envolvidos
Em geral, os gestores alegaram problemas de estrutura que atrasam os julgamentos. Eles apresentaram defesa durante as inspeções, explica o diretor-geral do TCE, Valtuir Pereira Nunes.
VEJA QUAIS SÃO AS FALHAS DOS ÓRGÃOS
Fundação de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam)
Falta de estrutura — Número reduzido de técnicos e veículos.
Demora julgamento — Infratores acabam livres da multa pela prescrição. O tamanho das perdas é desconhecido, porque valor só é incluído após julgamento.
De 2002 a 2006 — 909 autos pendentes (já prescritos na época da auditoria)
De 2007 — 106 autos estavam prestes à prescrição na época da auditoria (hoje, estão prescritos)
De 2008 e 2009 — Sobre os autos emitidos a partir de 22 de julho de 2008, a prescrição ocorre também se o procedimento ficar três anos parado. Com isso, parte dos autos de 2008 (pendentes de julgamento 169) e 2009 (212) também está prescrita.
Falta de pagamento após julgamento — Entre 2007 e 2010, foram emitidas 2.997 cobranças, somando R$ 24,5 milhões. Somente 36,5% do valor foi pago, somando R$ 8,9 milhões. Geralmente, os valores mais altos não são pagos.
TCA — No uso do Termo de Compromisso Ambiental (TCA), encontrados erros: valor pago diferente do estabelecido, ausência de atualização monetária dos valores cobrados e falta de fiscalização do cumprimento de cláusulas do TCA.
Secretaria Estadual de Meio Ambiente
Falta de estrutura — Com deficiência estrutura da SEMA, Brigada Militar acaba exercendo função de fiscalização das infrações florestais e emissão dos autos de infração.
Demora no julgamento de autos por infração florestal — Em 2007 e 2008, ocorreram poucos julgamentos na Junta Superior de Julgamento de Recursos, segunda instância, e nenhum foi realizado entre agosto 2009 e 2011. São 1.352 processos aguardando julgamento, somando R$ 14,9 milhões. Como datas não foram repassadas, não se sabe o valor já prescrito. Outros 545 processos esperavam juntada de recurso, somando R$ 3,9 milhões. A Junta tinha ainda 463 processos julgados e não pagos, somando R$ 2 milhões.
Falta sistematização para destinação do material apreendido — Na Junta Superior, não há documento que comprove destinação do material apreendido. Na grande maioria dos casos, são madeira serrada e lenha, que deveriam ir para doação a entidades.
Deficiência gestão Fundeflor e Fema — Na Sema, auditoria encontrou jogadas no chão de uma sala caixas com guias de pagamento. De 2007 a 2011, foram pagos R$ 311.923,34 ao Fundeflor. O valor é baixo se considerar processos aguardando julgamento e prescritos. Sema não apresentou valores recolhidos pelo Fundo Estadual do Meio Ambiente.
TCA — Não foi firmado nenhum Termo Compromisso Ambiental entre 2007 e 2010.
Reparo — Processos que não têm a prova da fiscalização do projeto de reparação do dano, no caso, plantio de mudas.
Batalhão Ambiental da BM
Demora no julgamento de autos por infração florestal — falta de estrutura, com poucas câmaras e membros que desenvolvem outras funções. Com a lentidão nos julgamentos, infratores deixam de pagar multas.
De 2009 a 2011 — a primeira instância proferiu despacho da prescrição de autos de infração que somam R$ 11,8 milhões
De 2002 a 2011 — 6.693 processos aguardando julgamento, somando R$ 42,7 milhões. Na época da auditoria, já estavam prescritos autos somando R$ 20,7 milhões. De 2007, 1.782 autos de infração, somando R$ 8,5 milhões estavam prestes a prescrever na época da auditoria (hoje, já estão prescritos). De 2008 e 2009, parte de R$ 8 milhões pode estar prescrita hoje por falta de movimentação por 3 anos.
Demora instauração processo administrativo — auditoria verificou demora de até 8 anos entre auto de infração e inclusão no Sistema de Protocolo Integrado do Estado, com a consequente formação de processo administrativo.
Fonte: Jornal Zero Hora (RS)
Leandro Staudt