Na última semana, uma notícia tomou os diversos meios de comunicação disponíveis à sociedade brasileira; tanto na imprensa escrita, quanto na eletrônica, nos programas de rádio e telejornais, a notícia de que “Prefeitos cassados terão que pagar os custos da nova eleição” foi a “bola da vez”.
Tal iniciativa partira do Tribunal Superior Eleitoral, Corte que, por sua vez, tem por obrigação dar apoio financeiro e logístico aos Tribunais Regionais, estes que possuem a responsabilidade pela organização de uma nova eleição.
Pois bem, segundo dados do próprio TSE, em outubro de 2012, foram realizados pleitos em 5.568 municípios. No entanto, os eleitores de dezenas de cidades tiveram de retornar às urnas este ano para participar de novas eleições para o cargo de prefeito, uma vez que nesses locais a votação de outubro passado teve de ser anulada pela Justiça Eleitoral.
Como se sabe, apenas a título explicativo, a Justiça Eleitoral convoca um novo pleito – nova eleição – sempre que o candidato majoritário eleito com mais de 50% dos votos válidos tiver o registro indeferido, ou o próprio registro ou diploma cassados em face de eventual ilícito eleitoral.
E nessa realidade, obviamente, uma nova eleição gerará custos, estes de responsabilidade da Justiça Eleitoral.
Até aí tudo bem!
Todavia, quanto ao custeio da nova eleição, imposto a eventual candidato “cassado”, problemas há, senão vejamos:
Primeiro: Não há previsão legal alguma para tanto, ao passo que as sanções abstratas (possíveis) para eventual ilícito eleitoral estão claras e previamente previstas em lei.
São elas, principalmente: multa –em alguns casos –, cassação ou negação do registro ou diploma, além da sanção de inelegibilidade, também imposta em circunstâncias específicas.
Em nosso Estado Democrático de Direito, por força constitucional, dentre diversos outros direitos e garantias fundamentais, no inciso XXXIX do artigo 5º da Lei Maior, presente a máxima segundo a qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”.
E aí, salvo engano, reside a primeira inconsistência.
Segundo: Tal iniciativa da Justiça Eleitoral, em convênio com a Advocacia Geral da União, está eivada de inconstitucionalidades, afinal “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; e “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Nesta ótica, há verdadeira afronta as máximas da legalidade e da reserva legal – e devido processo legal, pois ausente qualquer previsão procedimental para tanto- as quais, na lição de José Afonso da Silva, condicionam que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei, pregando a submissão e o respeito à própria lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador, o que não é o caso.
Terceiro: Não bastasse às gravosas sanções legais previstas (inclusive a multa, que pode alcançar a monta de aproximados cem mil reais), se está a extrapolar o limite do razoável, o limite da proporcionalidade, trazendo, sem base para tanto, nova punição que beira o confisco de bens, vedado, igualmente, pela Constituição Cidadã.
Ora, o disparate é tão grande, que nas estimativas da própria Justiça Eleitoral, cada eleitor representaria para esta a quantia de aproximados cinquenta reais, algo muito discutível, mas que está posto.
E nessa ótica, imaginem tal realidade num Município com cinquenta ou cem mil eleitores?
A desproporcionalidade nada mais é do que arbitrariedade; e arbitrariedade é ilegalidade.
O confisco, via de regra, é vedado, e tal máxima merece louvor!
Quarto: Ignora-se, aqui, além de todos os preceitos jurídicos levantados, a realidade fática de grande parte dos municípios brasileiros; ora, na maioria, trata-se de pequenos e pobres municípios, cuja remuneração ao Chefe do Executivo dista de dois ou três mil reais mensais, ou seja, não tem ele qualquer segurança patrimonial.
E. assim sendo, com o perdão da franqueza, estão a fomentar, sobremaneira, a interferência do poderio econômico privado, ao passo que a marcante presença de entes empresariais seria muito mais presente, pois, em não tendo patrimônio para tanto, seguramente não seria o candidato que iria arcar com a punição imposta, mas, sim, uma ou outra empresa, ou empresário local, com interesses dos mais diversos.
Quinto: Por derradeiro, estão a olvidar que diversos Recursos são submetidos ao próprio TSE, muitos com argumentações plausíveis que denotam grande possibilidade de reforma da decisão objeto do apelo; é de questionar:
E nos casos em que, nem ao menos, a lide foi submetida ao crivo da Corte Superior?
Afinal, pelo que temos visto, antes mesmo de eventual Recurso ser submetido ao crivo da Corte, os Tribunais Regionais, nas suas competências, estão a convocar novas eleições, e pior, tais pleitos estão sendo realizados sem que haja julgamento dos Recursos interpostos, conduzindo, pois, estes a perda do objeto.
Então, além das gravosas sanções legalmente aplicadas, do prejuízo trazido ao candidato, e muitas vezes a própria população local, estão a criar nova sanção, sem, ao menos, analisarem os fundamentos recursais submetidos a própria Corte Superior, muitas vezes plausíveis, como dito.
Seres humanos têm pontos de vista distintos; Julgadores se equivocam, afinal, nas próprias palavras do Eminente Ministro do STF, Marco Aurélio Melo, não são semideuses.
Tanto é assim que, referente ao pleito de 2012, especificamente no Rio Grande do Sul, quatro cassações, com novas eleições já convocadas nos respectivos Municípios, foram suspensas por liminares deferidas no âmbito do Tribunal Superior.
E é aí que a prudência deve sobrepor-se em processos dessa natureza, ainda mais quando as gravosas sanções são previamente previstas em lei, sob pena de estarem levando a efeito verdadeiras arbitrariedades.
Enfim, a ilegalidade está a imperar!
Sem mais, particularmente, vê-se que o casuísmo transborda nos dias de hoje, principalmente na seara política, em que todos são vistos como corruptos, alguns Magistrados se afiguram como heróis, e vários se imbuem, retoricamente, da “tarefa” de limpar a política brasileira, esquecendo que a tarefa de bem escolher os seus representantes é do próprio povo, como deve ser numa verdadeira democracia.
Não cabe ao Poder Judiciário legislar, tampouco criar novas e gravosas sanções.
Não cabe, pois, ao Poder Judiciário, tal ato de “heroísmo”; cabe, sim, julgar e bem julgar, mas julgar os casos que lhes são postos por meio de um processo judicial, e, sobretudo, tendo em vista todas as garantias fundamentais estendidas ao cidadão, por força da Lei Maior.
Ora, a verdadeira democracia não é a das togas, mas sim a do povo!
Finalmente, vislumbrando a realidade em comento, e diversas outras, vale suscitar a bela frase do notável jurista Von Ihering:
“O Direito não é uma simples idéia, é força viva. Por isso a justiça sustenta, em uma das mãos, a balança, com que pesa o Direito, enquanto na outra segura a espada, por meio da qual se defende. A espada sem a balança é a força bruta, a balança sem a espada é a impotência do Direito. Uma completa a outra. O verdadeiro Estado de Direito só pode existir quando a justiça bradir a espada com a mesma habilidade com que manipula a balança.”
Dessa forma, os tempos hodiernos se afiguram como temerários, onde a democracia brasileira vive verdadeira crise de identidade, um Poder interfere sobremaneira no outro, e sanções são criadas ao bel prazer de uns, em detrimento de outros.
Merece reflexão.
Por Guilherme Carvalho, advogado inscrito nos quadros da OAB/RS sob o n°. 85.529, pós graduando em Direito Eleitoral, Membro do Escritório “Dallagnol Advogados Associados”, Porto Alegre-RS.