A sociedade ocidental moderna vive em um (in)determinado ritmo frenético no qual as mudanças ocorrem, de forma tão rápida e fugaz, que, termos como verdade, certeza, solidez, segurança, estabilidade, valor etc., perdem ou mudam de sentido de forma extremamente imprevisível e inimaginável. Apesar disso, o dogmatismo cultural, sustentado na pretensão da certeza conceitual racional e totalizante, mantém a compreensão de que o mundo ainda é dividido em dois: o certo e o errado, o bom e o mau, o justo e o injusto, o crente e o ateu, o honesto e o desonesto etc.
Uma dessas dicotomias pode ser vista, diariamente, quando as pessoas ou a imprensa fala da famigerada corrupção. É interessante ver como sempre nos referimos à corrupção estando ela, na terceira pessoa, seja do singular ou do plural. Assim, existem dois mundos: “o nosso” (sujeitos, ou quem fala); e “o deles” (objetos, ou de quem se fala). O mundo da sociedade, que é honesta; e o mundo dos políticos, que são corruptos.
Nessa dicotomia, portanto, (im)posta pela fala, é na sociedade (honesta) que estamos inseridos; já no mundo dos políticos, sempre estão inseridos apenas os “outros”, os corruptos. Assim, há sempre uma clara divisão: nós os bons, os honestos; e eles, os maus, os corruptos.
Porém, nessa cisão, extremamente confortável para nós, que somos os bons e falamos dos maus, esquecemos, conscientes ou não, de algo que é inseparável: sociedade e política. Se há políticos corruptos, e há (evidente que não todos como é o senso comum imposta pela opinião pública e, principalmente, pela opinião publicada), não podemos esquecer de que eles são frutos da sociedade, dessa mesma sociedade da qual todos nós fazemos parte e criamos o bem e o mau, o certo e o errado o honesto e o desonesto.
Quando não respeitamos a faixa de trânsito (seja a pé ou de carro); quando furamos uma fila de banco (ou qualquer outro lugar); quando corrompemos um policial para não sermos multados; ou quando presenteamos ao “amigo” de qualquer órgão público ou empresa privada pela “ajudinha” pra conseguirmos agilizar algo que buscamos, ou para ver publicado uma entrevista ou reportagem que nos interessa, estamos plantando ou proliferando a semeadura da desonestidade e da corrupção. É verdade que em nossa consciência entendemos que isso não é problema, isso não é desonestidade, é, sim, algo que todos fazem e quem não faz não é “experto” e não consegue o que busca na repartição pública ou privada.
Todos nós temos ou teremos algum problema ao longo da vida e, se algum dia precisarmos de nossas relações pessoais ou sociais para resolvê-los, praticando, para isso, “pequenas infrações legais”, não consideramos essas práticas como um ato errado, mas um simples jeitinho para facilitar a nossa vida.
Bem, se participamos do jogo quando nos interessa, não podemos nos queixar que ele exista.
Edson Luís Kossmann
Dallagnol Advogados Associados