Há quase 20 anos como professor na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), tenho assistido muitos de nossos egressos partirem da cidade em busca de cursos de Pós-Graduação e de oportunidades de trabalho e, com muito orgulho, verifico que dezenas, centenas deles, estão muito bem empregados por todo o Brasil, até mesmo pelo mundo. Mais recentemente, a partir da substituição do vestibular pelo ENEM, são muitos os alunos que para cá acorrem de diversas partes do país, inclusive de estados desenvolvidos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Pelotas firmou-se como um pólo de formação e de exportação de profissionais nos níveis técnico e superior há muito. Até aí, tudo bem, nossas instituições de ensino, particularmente as públicas federais, têm cumprido com a sua função social, contribuindo, sobremaneira, para o desenvolvimento dos brasileiros e do país. O que preocupa é a ausência de local de mercado de trabalho para toda essa mão de obra qualificada.
Enquanto isso, localmente o que se verifica é a baixíssima qualificação dos serviços oferecidos à sociedade que vão desde um Ensino Fundamental e Médio de baixa qualidade; péssimos serviços de atendimento à saúde; transporte público caro e de baixa qualidade; despreparo em todos os setores de serviços terciários; e por aí vai. Ou seja, a culpa está na estreiteza intelectual, política, ideológica e, por que não dizer, moral de nossos mandatários que, como não poderia deixar de ser, permeia por toda sociedade. Não há políticas de valorização das carreiras que não sejam aquelas que convencionaram em chamar de “típicas de estado”: agentes do fisco, policiais, juízes, promotores, assessores parlamentares (senão os próprios) etc.
Estudos apontam que os profissionais da educação de todos os níveis, incluindo o superior, são os piores remunerados entre todos servidores públicos, a despeito de sua maior qualificação e relevância social. No Japão, somente os professores não são obrigados a curvarem-se diante do imperador! Por aqui, o governador do Estado do Rio Grande do Sul recorreu ao Supremo Tribunal Federal para que este considerasse inconstitucional a Lei do Piso Salarial dos Professores que ele próprio criou, enquanto Ministro da Educação (ressalte-se que ele foi também Ministro da Justiça!). Na área da saúde, não são menores as queixas.
Isso é somente um exemplo de uma preocupação maior que, em breve, atingirá o nível nacional. O jornal Estado de São Paulo divulgou nota da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) em que países como a Alemanha manifestam preocupação quanto ao seu desenvolvimento econômico, caso não possam obter jovens imigrantes qualificados e semiqualificados (mentes!) para suprir as necessidades de um mercado de trabalho. Embora seja um dos países em que a imigração já é facilitada, pensam em desenvolvê-la ainda mais, assim como os Estados Unidos, buscando atrair jovens estudantes de todo o mundo. Na Universidade de Coimbra, Portugal, quase 100% dos estudantes de Biologia já são brasileiros. Lembram-se do episódio dos dentistas brasileiros (mais qualificados que os nativos) neste mesmo país, o que causou um enorme desconforto diplomático?
De outro lado, o Brasil, por meio de programas oficiais (como o Ciência para Todos, ou o Plano de Licenciaturas Internacionais, por exemplo), está levando estudantes brasileiros para cursar graduação e pós-graduação em todas as partes do mundo. Num primeiro momento, esta poderia parecer uma ação louvável não fosse o risco de que esses jovens jamais retornem ao nosso país, posto que lá eles têm a real perspectiva de realização profissional. E, se retornarem, correrão um sério risco de verem seus esforços de qualificação e seus sonhos de uma carreira profissional valorizada serem totalmente frustrados. Assim, o Brasil, além de um grande importador de conhecimentos científicos e de tecnologias, passaria a ser um grande exportador de mentes. Também este não é um fato novo; Santos Dumont não inventou seu avião em Paris? O Pe. Landell de Moura não inventou o rádio em Porto Alegre? Qual foi a participação de brasileiros para o desenvolvimento do Instituto Pasteur? Qual reconhecimento obtivemos? Quem desenvolveu a indústria radiofônica? Quem levou as glórias pelos Fatos? No que tudo isso desenvolveu o Brasil?
Países como os Estados Unidos, especialmente no pós-guerra, Alemanha, entre outros praticam a política de trazer para si as grandes mentes, oferecendo-lhes salários dignos e condições de trabalho, enquanto nós, as expensas do meu e do seu dinheiro e do trabalho hercúleo de nossos professores, qualificamos jovens para vê-los longe, contribuindo para o desenvolvimento de países que não o nosso. Resta-nos como conforto saber que lá estarão felizes; senão felizes realizados profissionalmente. Pensem nisso, qual a política mais acertada e, quiçá, mais econômica: a nossa ou a deles? Ademais, toda essa discussão é inútil enquanto a quinta economia do mundo não fizer uma distribuição justa da sua riqueza, enquanto tivermos de trabalhar cerca de cinco meses somente para pagar impostos que não revertem em benefícios para a sociedade e, ainda, que joga mais de 27% desse montante nas mãos da corrupção, enquanto se nega a destinar 10% do PIB para a educação e 7,5% para a ciência e tecnologia… Até quando?
Prof. Carlos Frederico Nalepinski Widholzer
Doutor em Ciências – Universidade Federal de Pelotas
carlosfredericowidholzer@yahoo.com.br