Prevista em lei para situações excepcionais, como catástrofes da natureza, a contratação de obras e serviços públicos sem licitação, a título de emergência, entrou no radar do Ministério Público Federal em 2013. Procuradores da República vão criar um grupo de trabalho especial para examinar esses repasses, fonte de inúmeros desvios e de “calamidade” nos cofres públicos.
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A proposta é mapear investigações em curso que tratem de corrupção e aprofundar a apuração de novos casos de má aplicação de dinheiro durante tragédias, como chuvas e secas. De acordo com o Ministério da Integração Nacional, 523 municípios decretaram situação de emergência somente este ano.
Segundo a subprocuradora Denise Vinci Túlio, coordenadora da 5.ª Câmara de Patrimônio Público e Social, a proposta do grupo será acompanhar as contratações emergenciais feitas por prefeituras com recursos federais. “As situações se repetem todo ano e queremos criar mecanismos mais eficazes para fiscalizá-los”, disse a subprocuradora.
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Uma das irregularidades mais comuns é a inexistência de projeto básico nas contratações emergenciais. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou problemas nas ações de recuperação e reconstrução de pontes nos municípios do Rio atingidos pelas chuvas de janeiro de 2011. Vinci destaca que o grupo quer evitar que gestores aproveitem o período de comoção social para aplicarem irregularmente o dinheiro ou mesmo fazer uso político dessas verbas.
Mapa
Os procuradores também vão se dedicar a mapear investigações em andamento que tratem do tema. O primeiro levantamento feito pela Câmara de Patrimônio Público indica a existência de inquéritos em Alagoas, Santa Catarina, Pernambuco e no Rio, Estados atingidos nos últimos anos por tragédias.
Em períodos de tragédia, os mecanismos de controle da aplicação de verbas são diferenciados. O sistema funciona assim: as contratações são realizadas sem licitações e com projetos básicos deficientes ou incompletos (documentos que definem como a obra será feita, criando parâmetros para as compras e contratos de serviços). A ideia por trás dessa exceção é agilizar as compras e as obras para atender a população atingida pelas tragédias.
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Porém, uma consequência indireta é a diminuição dos mecanismos de controle da aplicação das verbas públicas. Maus gestores se aproveitam dessas brechas para desviar recursos. No Rio de Janeiro, por exemplo, um prefeito foi flagrado sacando dinheiro enviado para cobrir despesas com a tragédia causada pelas chuvas na boca do caixa. A verba, de acordo com a investigação, foi parar no bolso do político. No ano passado, o Ministério Público Federal identificou mais de 200 casos semelhantes, envolvendo saques de verba pública, na boca do caixa, por prefeitos.
Nova Friburgo
Na região serrana do Rio de Janeiro, o MPF conseguiu, no fim de 2011, o afastamento do então prefeito de Nova Friburgo, Dermeval Barbosa Moreira Neto (PT do B) , a cidade mais atingida pelas chuvas daquele ano. O gestor era suspeito de superfaturamento, pagamento por serviços não executados e fraude na contratação de empresa para limpeza de hospitais e escolas públicas, após as tragédias. No início deste ano, a Procuradoria da República instaurou um novo inquérito para investigar o desvio de dinheiro da reconstrução das escolas.
Em 2011, a região serrana foi cenário da maior tragédia natural do País durante os temporais. Numa auditoria, o TCU apontou inúmeras irregularidades no emprego de recursos para socorro não só em Friburgo, mas outras seis cidades mais prejudicadas.
Ao todo, o Ministério da Integração pôs R$ 70 milhões à disposição das prefeituras.
Conforme os auditores, houve pagamento de serviços sem contrato ou a preços injustificáveis. As empresas receberam sem que houvesse a medição ou fiscalização das obras supostamente executadas. Nos documentos, faltava, não raro, indicar até o local em que as intervenções foram feitas. O Grupo de Trabalho de Tragédias faz parte do programa da 5.ª Câmara, que no ano passado lançou um mapa das ações de improbidade.