O absurdo ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo acerta em cheio três outros alvos. O primeiro é a liberdade de expressão, uma conquista da sociedade civilizada que vem sendo gradativamente pisoteada, das repúblicas bolivarianas da América do Sul a leis cada vez mais restritivas em países europeus, como Portugal, Hungria e Reino Unido.
O atentado fere o direito à opinião em todo o mundo, mesmo o daqueles que rejeitam ou ignoram as charges profanas do Charlie Hebdo. Além disso, com a temperatura do sectarismo subindo constantemente no forno nas redes sociais, quem perpetra um atentado do gênero contará pelo menos com bolsões de apoio, realimentando as ameaças: sempre haverá fanáticos religiosos e políticos que escolherão a violência contra o mensageiro como argumento.
O segundo alvo é a tolerância, e não apenas contra quem emite opiniões contrárias. Confirmada a identidade islâmica dos atacantes, pode-se prever um reforço na onda xenófoba na Europa, particularmente contra os muçulmanos. Nas últimas semanas, por exemplo, passeatas contra uma suposta ameaça de islamização vêm enchendo ruas de cidades alemãs. Agora, os terroristas robustecem o preconceito, a desconfiança e o ódio – um tiro na testa dos milhões de muçulmanos pacíficos que constróem suas vidas no Ocidente.
O terceiro alvo são os próprios dogmas e respeito a religiões de diferentes matizes. Toda censura ou ato de violência contra quem manifesta opinião só amplia o interesse e a curiosidade sobre aqueles e aquilo que se tenta calar. Até ontem, 99% do planeta nunca tinha ouvido falar do Charlie Hebdo e de suas charges francamente profanas sobre muçulmanos, judeus e cristãos. Com a informação instantânea e globalizada, depois do ataque as charges passaram a circular em velocidade meteórica pela internet. Ou seja, os terroristas ampliaram dramaticamente a opinião de quem supunham silenciar. Os mortos, mártires da liberdade de opinião, falam neste momento mais alto do que nunca.
Marcelo Rech (ZH/RS)
Fonte: Clic RBS