A aplicação prática da Lei da Ficha Limpa nas próximas eleições suscita ainda muitos questionamentos, mesmo estando declarada a constitucionalidade da Lei Complementar 135/2010, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), afastando o princípio da inocência para fins de declaração de inelegibilidade e admitindo, assim, os efeitos da condenação mesmo quando não transitada em julgado sentença condenatória.
Um dos pontos que enseja dúvidas e, certamente, será motivo de inúmeras demandas judiciais nas próximas eleições, refere-se à inelegibilidade decorrente da rejeição de contas relativas ao exercício de cargo ou função pública. Pela redação, a condição que implica em inelegibilidade deve ter por fundamento ‘irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa”. Ora, como os tribunais de contas, cujas decisões possuem natureza administrativa, não ingressam na seara da subjetividade do ato, ou seja, não investiga a intenção do gestor, fica a pergunta: a quem caberá a análise da presença ou não do dolo (condição de inelegibilidade) no ato impugnado? À Justiça Eleitoral tal julgamento?
Também a inelegibilidade decorrente de condenação por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais deverão ser objeto de debate judicial. Como estas situações, antes do advento da LC 135/2010, não implicavam na decretação de inelegibilidade, muitos candidatos – que hoje exercem mandato – poderão ser barrados na inscrição da candidatura para o próximo pleito.
Diante da possibilidade de considerar a aplicação da inelegibilidade para eventos passados, pode ocorrer, por exemplo, a possibilidade de um candidato, condenado em 2004 por conduta vedada, ter sido eleito em 2008 e, agora, no pleito de 2012, ser considerado inelegível, ainda que, neste período, nada tenha de desabonador contra ele.
A Lei da Ficha Limpa estende-se, ainda, à incidência de inelegibilidade dirigida àqueles que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, “por ato doloso de improbidade administrativa, que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito”. Neste ponto, a redação da norma também enseja dúvidas. Ficam os seguintes questionamentos: exige-se a ocorrência das duas hipóteses, lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, ou apenas um deles já fará incidir a inelegibilidade de oito anos?
Por fim, é importante destacar a possibilidade de suspensão da inelegibilidade pelo órgão competente para apreciar os recursos das decisões colegiadas referidas na lei. Esta abertura da lei pode afastar a inelegibilidade para o registro da candidatura. No entanto, não serve para dar segurança ao candidato, visto que, caso confirmada a decisão que gerou a inelegibilidade ou revogada a suspensão liminar, poderá ser desconstituído o registro ou o diploma do candidato.
Maritânia Dallagnol
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