É inevitável a preocupação do Direito com a limitação do poder nas várias formas em que se apresenta na sociedade. Para o Direito Eleitoral, a preocupação ganha força na medida em que se trata do processo de escolha dos governantes, cuja legitimidade depende da realização dos princípios da igualdade e da liberdade do voto.
O legislador preocupou-se em discriminar as principais vertentes de poder, elegendo o poder econômico, político e da comunicação social como os principais focos de disseminação de abuso com potencialidade lesiva e real capacidade de incidência nos processos eleitorais.
A Lei Eleitoral criou normas de controle dos veículos de comunicação social reconhecendo sua potencialidade lesiva, especialmente pela veloz propagação e alcance de suas transmissões. Além disso, o emprego de mensagens subliminares é capaz de influenciar a vontade do eleitor. Desde dia 1 de julho e até a data da eleição, são vedadas às emissoras de rádio e televisão a divulgação de entrevistas jornalísticas ou programas que, de alguma forma, possam configurar benefício a um ou outro candidato ou caracterizar tratamento privilegiado, seja por meio de manifestações de apoio ou pela propaganda negativa.
O abuso do poder econômico em definição sintética dada pelo Tribunal Superior Eleitoral se refere “à utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos, que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições.”
O abuso do poder político, por sua vez, estará caracterizado sempre que o agente público se utilizar do cargo ou função com desvio de finalidade, visando obter vantagem eleitoral para si ou para terceiros, desequilibrando o pleito.
A ação corrosiva do abuso do poder, não raras vezes, conduz ao comando do Executivo ou a ocupação de cadeiras nos parlamentos representantes vinculados a interesses de grupos econômicos, dos quais se tornam reféns, em maior ou menor escala.
As práticas abusivas, via de regra, se apresentam de forma oblíqua, sorrateira, escudadas em atos ilícitos, levada a efeito diretamente pelo interessado ou por terceiros a seu mando, ou, de forma subliminar, induzindo o eleitor a optar por determinado candidato. É comum o entrelaçamento das práticas abusivas, numa imbricação de interesses onde se revela a utilização do poder político e do poder econômico para a distribuição de benesses de toda ordem às vésperas do pleito, o financiamento indireto de propaganda eleitoral ou a utilização dos programas sociais e da máquina administrativa, ferindo os princípios basilares do jogo democrático.
A fim de conter a ação perniciosa e abusiva do poder, a Lei Complementar 64, de 1990, modificada pela LC 135/2010 (ficha limpa) estabeleceu procedimento no qual os partidos, coligações, candidatos e o Ministério Público poderão requerer a apuração dos fatos. A procedência de ação por abuso de poder conduz a declaração de inelegibilidade dos envolvidos por oito anos e, ainda, a cassação do registro ou diploma do candidato beneficiado.
A contenção do abuso do poder econômico, comum nas campanhas eleitorais, é de tal modo fundamental para o fortalecimento das instituições democráticas e da legitimidade das eleições que a própria Constituição Federal estabeleceu a possibilidade de impugnação do mandato eletivo, obtido mediante abuso de poder econômico, corrupção ou fraude, em ação movida perante a Justiça Eleitoral, em até 15 dias após a diplomação (CF Art. 14, §10).
O aperfeiçoamento da democracia brasileira, é inegável, carece de uma reforma política que corrija as distorções do sistema político de representação e que estabeleça limites ao financiamento privado das campanhas eleitorais. Da mesma forma, se impõe o enfrentamento de temas como a injustiça social, urbana e rural, que coloca milhões de pessoas em estado de vulnerabilidade e que favorece a ação abusiva dos detentores do poder, bem como a regulação e democratização das comunicações (grande parte das concessões de rádio e televisão pertencem a deputados, senadores e grupos políticos tradicionais).
Enquanto avançamos na consolidação democrática, a utilização dos mecanismos legais de contenção do abuso de poder, com ação fiscalizatória dos partidos, candidatos e Ministério Público, bem como pela atuação da Justiça Eleitoral, contribui para a garantia da legitimidade do processo eleitoral de escolha dos governantes.
Maritânia Dallagnol
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