Há pelo menos oito anos, a rotina profissional do agente de correios Antônio Sérgio Vaz, 45 anos, se modifica com a aproximação do final do ano. Sérgio, como é chamado pelos colegas, é designado para uma missão especial: a campanha Papai Noel dos Correios. Este ano, coordena a central de leitura e seleção de cartas na sede da instituição, no Centro de Porto Alegre. Pelas mãos dele passam milhares de histórias de vida, sonhos e pedidos de Natal de crianças da capital e da Região Metropolitana.
Funcionário dos Correios há 16 anos, Sérgio conta que começou a participar de forma voluntária. “O objetivo era fazer parte desta ação social da empresa e ajudar as pessoas mesmo”, relata ao G1. Com o passar do tempo, a experiência fez com que fosse designado para o projeto. Hoje, além de comandar a equipe que lê e separa as cartas das crianças, ministra cursos preparatórios para outras áreas da empresa também envolvidas na atividade.
Ter contato com as histórias e se sensibilizar é algo inevitável para o agente de correios. Entretanto, ele aponta que é preciso ter cuidado. Como o público-alvo da iniciativa são crianças em situação de vulnerabilidade social, os relatos costumam ter grande impacto em quem os recebe. “No curso, aconselhamos as pessoas a tirarem boas energias de tudo o que leem”, observa.
A inocência e ingenuidade contidas nos textos são fatores que tocam Sérgio. Ele conta que é comum ver nas correspondências as crianças justificarem por que merecem receber presentes com o cumprimento de tarefas simples do dia a dia. “Várias delas contam ao Papai Noel que estão tomando banho sem reclamar ou escovando os dentes como a mamãe mandou”, sorri.
A simplicidade nos pedidos ao “bom velhinho” faz com que algumas cartas se eternizem na memória dele. Ainda que o ano esteja perdido nas lembranças, é impossível esquecer de um menino que pedia um tênis que podia ser inclusive usado, desde que fosse do tamanho certo para ele. O garoto tinha um irmão mais velho, com quem ele dividia um único par de tênis. “Ele contou na carta que como o calçado era maior do que ele deveria usar e não firmava no pé, isso causava bolhas e feridas”, relembra.
Caso semelhante foi o de outro menino que queria um carrinho de brinquedo. No texto, estava explícito que o objeto podia ser usado, desde que ainda tivesse as rodas. Sérgio revela que cartas como essas são facilmente adotadas. “Não tem prova maior de humildade do que aceitar um presente de segunda mão”, avalia.
Materiais escolares também estão frequentemente entre os presentes pretendidos pelas crianças. Nos relatos, revelam se sentir envergonhadas por não terem o material básico para estudar.
Este ano, uma carta em especial chamou a atenção do agente de correios. Um menino conta que perdeu pai e comunica ao Papai Noel que o presente de Natal seria tê-lo vivo de volta. Ao prosseguir no relato, sustenta saber que isto é impossível, e então pede por material escolar. “Gostei muito da consciência dessa criança. Ela sabe que o pai não volta mais, mas não esconde que este seria o seu maior sonho”, comenta.
Além de se sensibilizar, Sérgio também já teve a experiência de adotar cartas. Para ele, uma é inesquecível. Há três anos, um adolescente com deficiência visual se apresentava aos Correios junto com a irmã caçula para colaborar na leitura e seleção. “Na época era possível que voluntários da comunidade auxiliassem no processo, o que não é mais feito por questões de sigilo e segurança”, explica. A menina lia as cartas em voz alta e o irmão dava o veredito se poderiam ou não entrar na campanha. “Eu sempre quis saber o que ele queria de Natal, mas ele nunca me dizia”, conta Sérgio. Em uma conversa, entendeu que o garoto queria uma bola de futebol com guizo. A menina, que por sua vez esperava ganhar roupas no Natal, escreveu o texto com os pedidos dela e do irmão. “Adotei a carta dos dois naquele ano”, conclui.
A satisfação em poder fazer parte da campanha é inegável na fala de Sérgio. Além de gostar de crianças, considera nobre a iniciativa de receber, ler e adotar correspondências de pessoas estranhas. “Elas nos dão permissão de entrar na vida delas, saber o que elas sonham. Nós podemos ajudar a realizar esses sonhos”, reflete. Do contato com a vida e os sonhos do outro, fica uma mensagem de aprendizado: “Talvez nossos monstros não sejam tão enormes quanto imaginamos”, sentencia.
Do outro lado, padrinhos ajudam a construir um Natal feliz
Localizado no Memorial do Rio Grande do Sul, no Centro de Porto Alegre, o Espaço Cultural Correios é o ponto de adoção de cartinhas ao Papai Noel. Lá, pretendentes a padrinhos se espalham em mesas, nas quais recebem remessas de correspondências. Eles podem escolher quais, e quantas, quiserem.
Por opção, Gertrudes não teve filhos. “Nunca vivi a experiência de dar presentes para um filho no Natal”, revela. Por outro lado, como trabalhou no Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, sempre teve contato com crianças. “Me dediquei muito aos filhos das outras pessoas”, avalia. Com duas cartas adotadas, desta vez não será diferente.
O casal Juliana e Francisco Antunes, de Viamão, na Região Metropolitana de Porto Alegre, ambos de 21 anos, adotou cinco cartas. O objetivo da atitude é puro e simples: ajudar quem precisa. “Por mais simples que seja o presente, é muito importante para as crianças”, aponta Francisco.
A vontade de ajudar de Juliana é resultado da própria experiência de vida. Ela se emociona ao lembrar que sua família passou por dificuldades. “Nunca cheguei a passar fome, mas havia momentos em que só tínhamos o dinheiro da comida. O resto conseguíamos com a ajuda de amigos”, fala em meio às lágrimas. O pouco que teve, aprendeu a dividir. O marido Francisco, por sua vez, explica que não viveu situação semelhante, mas não esconde a vontade de colaborar. “Quero que os outros tenham as mesmas oportunidades que eu tive”, sustenta.
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