O Código de Trânsito Brasileiro (CTB) completará 15 anos, este mês, sem conseguir colocar no caminho da prisão os motoristas responsáveis por mortes em ruas e rodovias do país.
As punições moderadas previstas pela lei para os crimes não intencionais, passíveis de serem revertidas em penas alternativas, e a falta de uma regra clara para enquadrar os condutores que assumem o risco de matar ao dirigir de forma irresponsável fazem da cadeia uma exceção e ampliam a percepção de impunidade.
A sensação de que o homicídio praticado sobre rodas não resulta em castigo rigoroso é sustentada pelo retrato encontrado nas prisões. No Rio Grande do Sul, um levantamento realizado pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) a pedido de ZH não conseguiu identificar nenhum condenado cumprindo pena por homicídio de trânsito no sistema prisional gaúcho no começo do mês passado.
Isso ocorre porque o CTB prevê detenção de dois a quatro anos para o homicídio culposo (sem intenção de matar) — condição que, pelo Código Penal, é convertida em pena alternativa se o réu cumprir requisitos como não ser reincidente em crime doloso (intencional). Assim, basta pagar cestas básicas ou prestar algum tipo de serviço comunitário.
Para contornar a brandura da lei, casos envolvendo embriaguez, por exemplo, algumas vezes são enquadrados via Código Penal como homicídios com dolo eventual — quando o condutor adota uma conduta tão irresponsável que admite o risco de matar. O problema, nesse caso, é que essa interpretação não é unânime.
— O juiz pode ou não admitir o dolo eventual, e há vários filtros ao longo do processo em que o crime pode ser desclassificado para culposo — afirma o promotor de Justiça do Ministério Público Estadual Stéfano Lobato Kaltbach.
A expectativa de impunidade é um tormento a mais para famílias como a da moradora de Flores da Cunha Teresinha de Fátima Pedron e do socorrista Gilmar Lodeas, ambos de 49 anos. Em uma coincidência trágica, em outubro de 2011 Lodeas foi chamado para atender o acidente em que seu próprio filho, Fabiano Lodeas, morreu aos 22 anos. O rapaz estava em uma moto atingida por um carro cujo condutor apresentou 0,62 miligrama de álcool por litro de ar — suficiente para caracterização de crime.
— Até agora não houve nenhuma audiência. Enquanto isso, o motorista pagou fiança e está solto — afirma a mãe.
Gilmar conta que guarda uma foto do motorista em seu computador.
— Se um dia encontrá-lo na rua, não sei se não faço uma besteira — desabafa.
O desembargador do Tribunal de Justiça Nereu Giacomolli acredita que endurecer o castigo não é o melhor caminho:
— Precisamos de políticas educacionais, melhoria da sinalização, das rodovias. O problema não é simples.
O juiz aposentado Nei Pires Mitidiero, pioneiro na adoção do dolo eventual no Estado, acha que é hora de a lei mudar:
— Urge estabelecer-se, independentemente da condição de crime culposo, possível a aplicação de pena privativa de liberdade aos autores do crime de homicídio de trânsito.
Fonte: ZERO HORA (RS)