A indagação sobre o que é a verdade acompanha a humanidade há muito tempo. A ciência, a religião e a filosofia têm discutido incessantemente esse assunto. Na filosofia, por exemplo, desde os pré-socráticos até hoje; passando por Platão, Descartes, Nietzsche, Heidegger e muitos outros. Nenhuma dessas compreensões de verdade é tida por definitiva, absoluta e universal. Porém, parece que a atual noção de verdade está distorcida e relacionada diretamente a um exercício de poder, ou seja, a verdade é aquilo que é dito por quem tem o poder de dizê-la.
Em uma relação de subordinação, por exemplo, a verdade é o que é dito por quem manda; no conflito, a verdade é o que é dito por quem tem o poder da decisão. Nesse sentido, para o senso comum dos juristas, a verdade estaria com o juiz que decide a causa e, portanto, revela a verdade naquele caso concreto. Assim, a verdade definitiva estaria com o Supremo Tribunal Federal que, necessariamente, será o último a julgar (quando o processo chega até lá) e, portanto, “diz” a verdade definitiva, mesmo que seja pelo uso de seu poder de “errar por último”. Contudo, essa decisão, mesmo que errada, seria a verdade dita por quem tem o poder de dizê-la.
Por outro lado, na comunicação social, a verdade está com quem tem o “poder da comunicação”, ou seja, da fala, nos meios de comunicação.
Nos últimos dias, há uma grande discussão na mídia sobre a questão que envolve o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 37; onde se discute o poder ou não de investigação do Ministério Público. Porém, não é propriamente a questão de mérito dessa discussão que agora abordo, mas como esse assunto está sendo tratado pela mídia.
Os grandes meios (partindo novamente daquelas 6,1/2 grandes empresas de comunicação) têm adjetivado essa PEC como sendo a “PEC da impunidade”. Ora, se a imprensa diz que ela é a PEC da impunidade é porque ela assim o é, certo? Como a imprensa diria alguma coisa que não é verdadeira, não é mesmo?
Mas será que, efetivamente, todo o legislador que votar nesse sentido de fato quer a impunidade? Será que antes de qualquer adjetivação a imprensa não desempenharia melhor a sua função se proporcionasse um sem número de debates sérios sobre o assunto? Onde se questionasse sobre o que efetivamente nossa Constituição dispõe sobre o tema? Ou sobre que tipo de poder investigatório queremos em nosso país? Quais são os interesses coorporativos, conceituais, jurídicos e sociais que estão dando suporte a cada uma das propostas defendidas?
Por outro lado, se poderia questionar se é correta e séria a adjetivação feita dessa forma, e se os grandes meios de comunicação estão realmente fazendo um papel de “meio” com espaços para um debate amplo, franco e consequente.
Há muito que as grandes empresas de comunicação se autointitulam “porta vozes” da opinião pública, porém, sem auferir qualquer opinião propriamente pública, limitando-se a produzir e publicar uma opinião sua, como sendo pública. Portanto, uma “opinião publicada” e não pública.
Assim, fica a questão sobre o que é a verdade; qual a verdade dos fatos? Qual é a verdadeira opinião pública sobre determinado assunto? Não temos a resposta, mas uma coisa é certa: a verdade não pertence a quem pretende ter o seu monopólio, a quem pretende “possuir a verdade” somente porque tem o “poder de dizer” o que pretende que seja a verdade.
Não podemos simplesmente nos curvar sobre a verdade imposta, sobre o que já está pensado; temos de produzir o nosso próprio pensar. Pensar é criar, por isso é preciso pensar criativamente o próprio pensar e não repensar o que já foi pensado (seguindo o mesmo raciocínio, exatamente para nos convencer da “verdade” do que já foi pensado e dito por outros).
PS. Essa reflexão também vale para as “informações” referente aos protestos que se multiplicaram nos últimos dias; suas motivações e a repressão policial!
Edson Luís Kossmann
Dallagnol Advogados Associados