Muitas são as situações em que nos encontramos em meio a um negócio jurídico civil, no papel de proponente ou receptor de uma proposta, e que envolve algum tipo de investimento patrimonial. Em algumas dessas situações, a lei nos dá uma proteção em razão da disparidade de forças entre os contratantes. Quando o contrato é de consumo, por exemplo, o consumidor é considerado hipossuficiente. Mas e quando o interesse é estritamente privado, não coletivo, em que as partes, em tese, estejam em igualdade de condições?
Exemplos: duas pessoas naturais acertando a compra e venda do apartamento residencial, a compra de uma unidade de franquia comercial, a assinatura de um contrato de representação comercial, uma troca de bens móveis entre amigos. Enfim, são diversos os negócios, civis ou comerciais, em que as partes estão em pé de igualdade, mas que, mesmo assim, existe uma responsabilidade primária, ínsita da própria natureza humana, que pode ser considerada um próprio dever de conduta reta e que, recentemente, tomou parte em nossa legislação por meio dos institutos denominados probidade e boa fé contratuais.
O Código Civil de 1916 foi baseado na ideia francesa legalista de Direito, de cunho extremamente exegeta, ou seja, interpretação mecânica da lei, baseada no silogismo, na literalidade do texto. O “pacta sunt servanda” era o princípio básico. A viragem do Código Civil de 2002 está respaldada pela consideração da ética, cuja raiz é a boa fé. Esse é o princípio diretor que o distingue do individualismo do Código revogado. O art. 422 do Código Civil atual dispõe que os contratantes são obrigados a guardar, tanto na conclusão quanto na execução de um contrato, os princípios da probidade e da boa fé. Miguel Reale, supervisor da comissão elaboradora do Código Civil de 2002, explicou que a boa fé apresenta dupla faceta: a objetiva e a subjetiva.
A subjetiva corresponde a uma atitude psicológica, uma decisão da vontade, um convencimento individual da parte de agir em conformidade com o direito. Já a objetiva é a lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o dever de que cada pessoa aja com honestidade, probidade e lealdade. A probidade, por sua vez, vem a ser a justiça, o equilíbrio, a comutatividade das prestações.
Isso quer dizer que, quando propomos um negócio jurídico a outrem, devemos passar todas as informações e dados necessários, positivos e negativos, dos quais a outra parte possa considerar para decidir se aceita ou não o negócio proposto. Se ainda não há uma informação considerada relevante economicamente para se contratar, deve-se informar que não possui todos os dados do negócio. É imperioso advertir-se, cabalmente, as chances de sucesso que o outro contratante terá. E não se quer dizer que a falta de informação seja empecilho à contratação. A omissão pode ser lícita, desde que a outra parte seja devidamente informada sobre quais esclarecimentos está deixando de receber e porque está deixando de receber.
Em contratos comerciais essa viragem é importante e transformadora, pois, sob a visão do revogado Código Civil de 1916, bem como do parcialmente revogado Código Comercial, esses deveres de boa fé e a probidade contratual não eram previstos, não faziam parte da matéria contratual privada, deixando-a sobre arbítrio exclusivo da livre iniciativa, sem interferência estatal.
Arnaldo Rizzardo Filho – Advogado
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