“Atendendo deputados do PT, a Presidente da República fecha o STF e manda cercá-lo por tanques do Exército”.
Embora caricato, o texto acima parece ser o “sonho de consumo” (um termo da moda) de manchete que a grande mídia brasileira gostaria de transmitir. Quando falo da grande mídia, me refiro às 6,1/2 (seis e meia) grandes empresas de comunicação.
Ao que tudo indica, foi com esta pretensão de potencialidade que foram divulgadas as notícias sobre a chamada PEC 33.
Exemplar foi a capa da revista Veja do dia 01 de maio de 2013. A capa traz uma grande estrela do PT, onde está “crucificada” a justiça. Já o título diz: “O ataque à Justiça – Para escaparem da cadeia, os réus e os radicais do PT desafiam a Constituição e a harmonia entre os poderes”. Isso, num olhar sumário, sem adentrar aqui, na análise do poder simbólico, que representa a crucificação da justiça, na cruz-estrela, há muito denunciado por Bourdieu e outros.
A imagem e o título da revista não só “falam” a não verdade como induzem a outras conclusões também não verdadeiras. Vejamos, por partes.
Primeiro, a indução em conclusão errada. “Para escaparem da cadeia, os réus…”; a referência, sem dúvida, é aos réus da Ação Penal 470 em julgamento (há recursos a serem apreciados) pelo STF, chamada de mensalão. Ora, a referida PEC 33 pretendia, basicamente, dar ao Congresso um controle sobre as Súmulas Vinculantes editadas pelo Supremo Tribunal Federal e a submissão ao Congresso das decisões de inconstitucionalidade julgadas pelo STF, sobre alterações constitucionais provocadas por Emendas à Constituição.
Assim, na PEC 33 não há nada que pudesse interferir na decisão do Supremo em relação à Ação Penal 470; que pudesse livrar da cadeia os réus.
Depois, “… e os radicais do PT desafiam a Constituição e a harmonia entre os poderes”. A PEC, apresentada no início de 2011 (muito antes, portanto, do famoso julgamento da AP 470), foi subscrita por mais de 200 deputados de vários partidos; porque só a referência aos radicais do PT? Essa informação não traz a verdade, portanto, é uma não verdade. Mas o relator da PEC 33 é do deputado João Campos do PSDB, partido que capitaneia a oposição ao atual governo do PT, e que, aliás, imediatamente deu uma entrevista (minusculamente repercutida) dizendo que não entendia o motiva de tamanha discussão sobre o assunto. Portanto, não é verdade que a PEC que “desafiam a Constituição e a harmonia entre os poderes” é do PT. Ela é de um conjunto de deputados, inclusive, como visto, do PSDB.
Assim, mais uma vez, criou-se uma versão parcial, incompleta, superficial e tendenciosa sobre fatos que sabidamente não eram como estavam sendo noticiados. É notório que a mídia sabe usar muito bem o processo de absorção, por parte da população, de um discurso que não é seu, mas que é absorvido como se fosse. Assim, ocorre um processo de alienação da faculdade (poder) de pensar e criar conclusões próprias sobre os fatos noticiados.
A pessoa, inconscientemente, incorpora (e reproduz), como se fosse seu, um discurso ideológico (disfarçado, como se não fosse) produzido e massificado com o objetivo de impor a “verdade” que, aqui, é uma não verdade. O processo é mais perverso ainda quando se trata da divulgação de uma “notícia”, ou seja, quando alguma coisa é transmitida como se fosse o relato do próprio fato ocorrido, e não uma versão manipulada daquele pretenso fato.
Mesmo que se entenda que a PEC não devesse sequer tramitar (o que é profundamente controverso), a notícia precisa ser minimamente verdadeira, próxima à realidade dos fatos. Não é correto dizer que as coisas são como elas não são, pois têm significados que devem ser respeitados; senão vive-se não verdades como se verdades fossem.
Urge um debate sobre a liberdade de imprensa e o direito a uma informação correta e sem manipulação. Discussão esta fundamental a um Estado democrático. Porém, enquanto ela não avança, resta questionar a quem interessa a criação e a reprodução de notícias e informações não verdadeiras.
A quem não interessa sabemos: à sociedade, ao Direito, às relações humanas e a nossa jovem e frágil democracia.
Edson Luís Kossmann
Dallagnol Advogados Associados