Por: Ana Cláudia Dias
anacl@diariopopular.com.br
Há dois anos a Serra gaúcha, símbolo do turismo gastronômico do Sul do país, ganhou um empreendimento que reforça a aposta na região como atrativa, também, para quem está interessado em cultura. Instalado no município de Canela, o Museu da Moda (MuM), único no gênero no mundo tem surpreendido visitantes ao apresentar evolução histórica do vestuário ao longo de quatro mil anos.
O trabalho meticuloso foi projetado pela estilista Milka Wolff, que sonhou convidar o visitante a uma viagem no tempo. O Museu da Moda é um empreendimento pessoal de Milka, que trabalha no setor do vestuário há mais de 50 anos. A estilista conta que sempre teve interesse pela história que envolve a forma de vestir da humanidade. Lê e leu muito sobre o assunto, tema que inspirou suas coleções. Ao mesmo tempo nutria a vontade de refazer esse processo em forma de uma casa de memória.
Há pouco mais de três anos, encorajada pela família, resolveu tornar realidade o sonho cultivado por anos. Sem apoio financeiro, disponibilizou um terreno que tinha em Canela. Da prefeitura do município serrano recebeu a licença ambiental para remover algumas árvores e em troca a empresária doou dois mil metros quadrados da sua propriedade para que se tornasse área de preservação municipal. “As pessoas ficam deslumbradas, estamos com dois anos e pouco de museu e agora vamos começar a
usar o subsolo.”
Esforço recompensado
A empresária confessa que financeiramente não recebeu “um tostão de ninguém”. A ajuda veio em forma de doações e alguns descontos em materiais. Mas no final valeu a pena todo o esforço em torno do projeto.
O trabalho de pesquisa que a entidade apresenta é de Milka com colaboração de uma pesquisadora especializada em História e Moda. Segundo a empresária não faltam pontos importantes de cada área, trabalho que resulta da preocupação de que todas as épocas fossem representadas. “Foram dois anos para fazer a reconstituição”, diz.
Ao todo 20 cenários emergem em 2,5 mil metros quadrados exibindo um acervo luxuoso. O MuM apresenta reconstrução estética do vestuário feminino em diferentes épocas. A visitação passa pela Antiguidade (nas civilizações Egito, Pérsia, Síria, Grécia, Roma, e Bizâncio), Idade Média, Iluminismo, Renascença, Era Napoleônica, Rainhas da França, Belle Époque e Avant garde (Vanguarda). O Museu ainda exibe cópias de modelos famosos do século e mostra o estilo de vestir do 21. O ícone da moda, a princesa de gales Lady Di (1961-1997), foi homenageada com uma vitrine com réplicas de nove de seus mais famosos vestidos.
O período mais difícil de ser reconstituído, segundo Milka Wolff, foi a Renascença, que, assim como na Idade de Média, a sobreposição de roupas mostrava a classe social do indivíduo. Outro destaque do trabalho é a fidelidade com que a estilista tentou reproduzir os modelos. Dessa forma foi proibido utilizar tecidos modernos ou sintéticos em peças que exemplificassem a Antiguidade. “Toda a Antiguidade até o final do século 19 é tudo puro, não existe nada sintético”, diz a estilista.
Costura feita a mão
Uma das peças que mais deu trabalho, mas que é orgulho para todos que trabalharam na sua confecção, é o vestido de Maria Antonieta (1755-1793). A austríaca, que se tornou rainha da França, é até hoje, mais de 200 anos depois da sua morte, reconhecida pelo seu envolvimento com a moda da época e pelo seu trajar exuberante.
O vestido da Maria Antonieta demorou três meses para ser confeccionado. A peça pesa de 13 a 15 quilos e levou na sua criação cerca de 60 metros de tafetá de seda pura, rendas chantili francesa e gregas de pedras semipreciosas com fios de ouro.
O cuidado com as peças não foi só na escolha dos tecidos, a própria ação de costurar recebeu atenção especial para que o acervo ficasse o mais próximo do real possível. O ateliê utilizou peças bordadas a mão e, em alguns casos, até a costura teve de ser feita apenas com linha e agulha, pois a máquina de costura só foi criada na primeira metade do século 19. “Não trabalhamos com costureiras, mas sim, com artistas”, fala Milka, orgulhosa.
A inspiração para o vestido de Maria Antonieta saiu da literatura. “Escolhi o mais caro e mais bonito.” Além dela, há outras sete rainhas da Dinastia Bourbon representadas no local. Para dar volumetria, cada saia destes modelos tem uma estrutura de ferro por baixo. Para a empresária, tão importante quanto ver a reconstituição das cenas é ajudar o visitante a compreender que as mudanças no jeito de vestir passam pela evolução econômica e pela alteração nos comportamentos sociais.
Clientes doaram peças
Além das peças criadas pelo ateliê de Milka, quase todo o acervo do século 20 é original. Este feito foi conseguido com a ajuda de muitas das clientes da estilista. Dessa forma vieram doações de diferentes cidades do Rio Grande do Sul, de várias localidades do país e de fora dele, como do Japão, por exemplo. “É uma alegria para nós. Em tão pouco tempo a gente já conquistou o mundo. Mandam maravilhas até agora e o acervo continua crescendo”, diz.
Para ambientar cada período a equipe de criação de Milka tem caprichado também nos expositores, com iluminação e sonorização especiais. Para se ter uma ideia, os pisos das vitrines correspondem aos períodos que elas retratam. Há ladrilhos hidráulicos, feitos em Pelotas, no setor da Pérsia e uma pirâmide em ardósia. “O piso da vitrine da Idade Média é de pedra, para a época dos assírios e babilônios foram colocados tijolos.”
Outras exposições
Além do acervo, o visitante do Museu da Moda de Canela também poderá conhecer quem é Milka Wolff. “Coloquei toda a minha vida lá.” Há um setor dedicado à estilista e idealizadora do projeto, que enfoca os mais de 50 anos de carreira. As referências são os desfiles, o último foi em 2012, e os prêmios da empresária.
As musas da sétima arte também encontraram seu espaço no local. Na exposição Divas do Cinema exibe 13 modelos com vestidos consagrados nas telas. Entre as peças um modelo usado pela atriz Audrey Hepburn, em My fair lady e o vestido da personagem Gilda, de Rita Hayworth, no clássico de 1946. Outro ícone é o vestido branco imortalizado por Marilyn Monroe em O pecado mora ao lado.
Atualmente o Museu da Moda de Canela exibe ainda a mostra itinerante Puppen, trata-se de uma coleção de bonecas de pano vestindo modelo icônicos de grandes estilistas, como Gucci, Kenzo e Yves Saint Laurent, inspiradas no projeto humanitário francês Frimousses de Créateurs, que expõe bonecas vestidas pelos grandes nomes da moda.
Evolução em 150 peças
Antiguidade, dividida em: Egito, Pérsia, Síria, Grécia, Roma, e Bizâncio – a partir de 2 mil anos A.C.
Medieval – 512 a 1430
Renascença – 1431 a 1770
Iluminismo – 1711 a 1785
Era Napoleônica – 1786 a 1845
Belle Époque – 1846 a 1913
Avant garde (Vanguarda) – 1914 a 1949
Modernismo (separado por décadas) – 1950 a 1999
Século XXI
Serviço
O quê: Museu de Moda Canela
Onde: avenida Ernani Kroeff Fleck, 1.810, Canela
Visitação diária das 10h às 18h, exceção quarta-feira
Informações através do telefone (54) 3282-1121 ou pelo site
http://www.museudamodadecanela.com.br/
Fonte: Jornal Diário Popular, Pelotas