Se depender da posição assumida pelos deputados gaúchos na Câmara, o casamento gay, a criminalização da homofobia e o fim da doação eleitoral de empresas têm tudo para virar lei – ao contrário das legalizações do aborto e da maconha, que continuam sendo tratadas como tabu.
Em resposta a enquete aplicada por ZH, 19 dos 31 parlamentares (61,29%) disseram ser favoráveis a transformar em crime atos de preconceito contra homossexuais, afirmaram aprovar a união entre pessoas do mesmo sexo e informaram apoiar a restrição ao financiamento privado de candidaturas. No caso da interrupção da gravidez e da liberação da droga, mais da metade se declarou contrária.
O levantamento foi realizado ao longo da última semana, por telefone e e-mail. Dos 31 representantes do RS na Câmara, 26 aceitaram participar e foram desafiados a se posicionar a favor ou contra 10 temas controversos.
A postura progressista em relação a duas das principais demandas do movimento LGBT surpreendeu quem milita pela causa.
– Faz anos que lutamos pela aprovação do PLC 122 (Projeto de Lei da Câmara que, entre outras medidas, torna crime qualquer discriminação por orientação sexual), mas ele nunca vingou. Só acredito vendo – diz Carla Baptista, do grupo Outra Visão LGBT.
O ceticismo se estende a pesquisadores como o sociólogo José Luiz Bica de Melo, da Unisinos. Ele suspeita que parte dos legisladores teme virar alvo das mesmas críticas sofridas por Luis Carlos Heinze (PP) em 2014 – quando veio à tona vídeo no qual ele se referia a gays, índios e quilombolas como “tudo que não presta”.
É possível, na avaliação de Melo, que muitos dos parlamentares tenham preferido se mostrar simpáticos às questões de gênero para evitar problemas. O furor em torno do casamento gay celebrado em um CTG de Santana do Livramento, no fim do ano passado, também pode ter pesado na decisão. Mas isso não quer dizer que a atitude será mantida em uma eventual votação. É o que aponta a cientista política Andréa de Freitas, da Unicamp.
– Quando o assunto chega ao plenário, outros fatores interferem no voto, como a posição do partido. Sem contar que os projetos são fruto de negociação, vão muito além da objetividade de uma enquete. Não podemos ser maniqueístas – pondera.
Dilema entre crença e estratégia política
O mesmo vale para outros tópicos, como a redução da maioridade penal, que dividiu opiniões e promete desencadear longos debates. Já o aborto e a maconha, de um modo geral, foram analisados de forma mais cautelosa.
– Os deputados sabem que passou a ser politicamente simpático apoiar os direitos homossexuais, mas também têm noção de que a maior parte do eleitorado é conservadora sobre o aborto e a maconha. Há um fator moral e religioso aí – analisa Melo.
Outra característica captada pelo coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia Política Brasileira da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Renato Perissinotto, ajuda a traçar o perfil da bancada do Rio Grande do Sul. Em algumas respostas, Perissinotto identificou uma distinção ideológica clara entre membros de partidos de esquerda e de direita, conceitos em crise no cenário atual.
– Apesar de muita gente dizer que essa divisão não serve para mais nada, ela ainda parece fazer sentido no caso da bancada gaúcha – sintetiza o pesquisador.
Complexidade vira motivo para ficar em cima do muro
Nem todos os deputados consultados se posicionaram sobre os temas da enquete. Dos que se dispuseram a responder, o campeão entre os que ficaram “em cima do muro” foi Giovani Cherini (PDT), que não opinou sobre seis dos 10 assuntos.
Houve ainda os que não quiseram participar por entender que temas complexos exigem respostas aprofundadas, como Maria do Rosário e Henrique Fontana, ambos do PT. Pelo mesmo motivo, Elvino Bohn Gass (PT) informou que não poderia dizer se era a favor ou contra a legalização do aborto e da maconha. Por telefone, Cherini afirmou que só se manifestará sobre as temáticas quando estiverem em pauta na Câmara:
– Para que eu tenho de falar sobre isso agora? A maioria dessas questões não está em discussão. É uma coisa absurda. É colocar a faca no pescoço da gente.
O segundo mais indeciso foi Danrlei (PSD), que não se posicionou sobre quatro temas:
— Não é que eu não queira me posicionar. É que são questões polêmicas que ainda precisam ser melhor discutidas.
A opção por não se comprometer, avalia o cientista político da UFRGS Benedito Tadeu César faz parte do jogo político:
– Muitas vezes, é uma questão de cálculo estratégico. Só que quem faz parte da elite política e quer ter uma posição de liderança precisa assumir o ônus. É importante que os eleitores conheçam suas opiniões.
Outros três não responderam à pesquisa. As equipes de Carlos Gomes (PRB) e de Luiz Carlos Busato (PTB) justificaram falta de tempo. Já a assessoria de Sérgio Moraes (PTB) pediu envio da enquete por e-mail e, apesar de confirmar recebimento do pedido, não houve resposta.
Fonte: Jornal Zero Hora