Em parceria com a OAB, o IARGS promoveu o XIV Encontro do Núcleo de Debates entre Direito e Literatura (IARGS) e o V Encontro do Núcleo de Debates entre Direito e Literatura (OAB/RS), no auditório da Ordem, na noite do dia 20/08. O tema escolhido foi “Oração aos Moços”, de Rui Barbosa. A abertura do evento foi feita pela secretária-geral adjunta da OAB, Dra Maria Cristina Carrion Vidal de Oliveira. Em seguida, falou a coordenadora do Núcleo de Debates entre Direito e Literatura, Dra Helena Conti Raya Ibánez, que leu os Dez Mandamentos do Advogado, e a diretora do IARGS, Dra Liane Bestetti.
O Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF), Dr Paulo Brossard de Souza Pinto, iniciou sua participação discorrendo sobre os principais pontos observados por ele na Oração dos Moços, discurso escrito por Rui Barbosa para paraninfar os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Na ocasião, lembrou que o paraninfo completava 50 anos de formatura e se encontrava impedido de comparecer por problemas de saúde.
De acordo com o Ministro, trata-se de uma das mais brilhantes reflexões produzidas pelo jurista sobre o papel do magistrado e a missão do advogado. Contudo, salientou que Rui Barbosa dedicou no seu discurso 15 páginas à magistratura e apenas uma e meia aos advogados. Na avaliação do Dr Brossard, o jurista tinha queixas “amargas” em relação à atuação dos juízes. “Às vezes chegou a ser duro em relação à covardia de certos magistrados”, afirmou.
Destacou ainda que, até aquela data, o discurso não tinha ainda um título, “nome que foi dado pelos formados daquela ocasião, e se tornando a obra-prima de Rui Barbosa”. O Ministro lembrou que o texto fala sobre despedida, com um pouco de melancolia, pois já estava na casa dos 70 anos. Acabou falecendo dois anos e três meses depois, em 1º de março de 1923, tornando-se o “Patrono dos Advogados”. Acentuou que o sonho do jurista era reformar o país e, por duas vezes, sem sucesso, tentou se eleger Presidente do Brasil.
Entende o Ministro Brossard que a Carta aos Moços é uma despedida de Rui Barbosa, fazendo um balanço de sua vida pessoal e também como advogado, jornalista e político que pudesse servir de exemplo às novas gerações. Nas suas palavras, assinalava os seus 50 anos de consagração ao Direito no “templo” do ensino em São Paulo, onde estudou e se formou em 1870 e teve como colegas Castro Alves, Joaquim Nabuco, Rodrigues Alves e Afonso Pena. “Tornou-se o advogado mais importante do Brasil”, acentuou.
Na avaliação do Ministro, o discurso inspira alta espiritualidade, mesmo tratando de assuntos materialistas. Observou que a palavra Deus aparece mais de 40 vezes no texto, além de Jesus, Cristo e Senhor. Além disso, questionava o papel dos amigos e destacou o seguinte trecho: “Amigos e inimigos estão, amiúde, em posições trocadas. Uns nos querem mal, e fazem-nos bem. Outros nos almejam o bem, e nos trazem o mal.Não poucas vezes, pois, razão é lastimar o zelo dos amigos, e agradecer a malevolência dos opositores. Estes nos salvam, quando aqueles nos extraviam.”
Para finalizar, destacou a grande mensagem de Rui Barbosa como um conselho no sentido de que não basta ler; é preciso refletir no que lê: “Estudante sou. Nada mais… pouco mais sei do que saber estudar, saber como se estuda, e saber que tenho estudado”.
Em seguida, falou o Ministro do Supremo Tribunal de Justiça aposentado, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, evidenciando que toda a frase escrita na Oração aos Moços é “lapidada”. Destacou a participação de Rui Barbosa no projeto de Código Civil, de autoria de Clóvis Bevilaqua, em 1901, quando era Ministro da Justiça, com ênfase a discussão sobre a linguagem estabelecida. No caso do Código Civil, informou que existiu um fato peculiar na historiografia, que ressalta o aspecto da disputa linguística sobre a redação do código, entre Rui Barbosa e Bevilaqua. Lembrou que Rui Barbosa criticava o projeto no aspecto linguístico, desde a sua elaboração, em 1901, até a publicação, em 1916. Coube ao jurista apenas a revisão da parte gramatical.
Na sua fala, o Desembargador do Tribunal de Justiça aposentado, Silvino Joaquim Lopes Neto enfatizou, do ponto de vista dialético, a grande capacidade de convencimento de Rui Barbosa na Carta aos Moços. “Ele era cativante e impressiona como fazia o público aderir aos seus pontos de vista”, disse. Por outro lado, destacou a grande melancolia demonstrada pelo jurista no discurso, “não condizente com aquela celebração”. O Dr Silvino lembrou que Rui era “endeusado” pela população, ocasionando grandes aglomerações, ganhou o título de Água de Haia e foi presidente da Academia Brasileira de Letras. “Ele era verdadeiramente cultuado no Brasil, recebendo aclamações extraordinárias”, disse.
No entendimento do Dr Silvino, o fato de Rui Barbosa não ter conseguido vencer as eleições presidenciais gerou uma mágoa que carregou por toda a sua vida. E cita o seguinte trecho do discurso: “Nest’alma, tantas vezes ferida e traspassada tantas vezes, nem de agressões, nem de infamações, nem de preterições, nem de’ ingratidões, nem de perseguições, nem de traições, nem de expatriações perdura o menor rasto, a menor idéia de revindita”.
Por fim, observou que Rui Barbosa era um polemista ferrenho e se envolveu em várias brigas com personalidades do mesmo meio e, algumas vezes, mostrou-se um pouco ingrato. Diz no discurso: “Não poucas vezes, pois, razão é lastimar o zelo dos amigos, e agradecer a malevolência dos opositores. Estes nos salvam, quando aqueles nos extraviam”. Acentuou que, unindo sua carreira de jornalista e advogado, tinha grande poder de persuasão e influência. Lembrou que, por ocasião do exílio de D. Pedro II, ele escreveu uma carta definindo que Rui Barbosa era a única luz no Brasil: “Nas trevas que caíram sobre o Brasil, a única luz que alumia, no fundo da nave, é o talento de Ruy Barbosa.”
O médico psiquiatra, psicanalista e analista didata da Sociedade Psicanalística de Porto Alegre, Dr. Juarez Cruz, que falou em seguida, fez uma análise do discurso de Rui Barbosa. Disse que, depois de ter observado vários conselhos do que seus jovens afilhados não deveriam fazer, caso viessem a se dedicar à magistratura, a seguinte frase o chamou atenção: “Muitas vezes, ainda, teria eu de vos dizer: Não façais, não façais. Mas já é tempo de cassar as velas ao discurso. Pouco agora vos direi”. Chamou a atenção do psiquiatra de que foi utilizada a palavra caçar com dois “esses” que, na verdade, significa recolher as velas de uma embarcação. Na avaliação do especialista, Rui Barbosa utilizou-se de uma metáfora nesse trecho para adentrar no reino da ambiguidade.
No entendimento do médico, a passagem do discurso mais sábia refere-se ao consolo por ele ter aprendido mais com as derrotas e críticas do que com as vitórias e elogios. “Transparece a fina ironia do mestre que em muitas oportunidades não só devemos perdoar os nossos inimigos, mas até agradecer a eles por nos tirarem da zona de conforto presidida por nosso narcisismo”, afirmou.
Observou, ainda, em outro trecho da Carta, que Rui Barbosa lembra que há uma única circunstância na qual a repulsa e a ira são justificadas: quando se voltam contra a corrupção. Rui, disse, admite momentos de sua vida em que se deixou tomar pela indignação, ao mesmo tempo em que pede desculpas àqueles que possa ter ferido com a força de suas palavras.
Destacou que, após analisar a Carta, passou a admirar em Rui Barbosa sua defesa intransigente da liberdade do sujeito. Lembrou que o estadista foi um abolicionista fervoroso e que sempre colocava seus pensamentos a respeito no jornal “A Cidade do Rio”. E, para finalizar, apontou o respeito que Rui Barbosa dava ao trabalho disciplinado e os conselhos fornecidos aos formandos, de forma paternal e carinhosa, até sobre a melhor hora para estudar e escrever. “Mas já é hora de cassar as velas ao meu comentário. Espero que inspire algumas navegações”, concluiu o psicanalista.
A presidente do IARGS, Dra Sulamita Santos Cabral, encerrou o evento destacando estarem todos com “a alma repleta de alegria” depois de todas as palestras referentes à Carta aos Moços. Lembrou que D. Pedro II, do exílio, escreveu uma carta dizendo que o Brasil estava mergulhado na escuridão e que a única luz que “alumiava” era Rui Barbosa. Referiu-se, também, a coordenadora do encontro, Dra Helena Ibánez, que “é uma luz que sempre está nos alumiando”.
Terezinha Tarcitano
Assessora de Imprensa