por Miriam Abramovay e Mary Garcia Castro[1]
Os casos de violências nas escolas vitimizando jovens e professores é tema que vem galvanizando atenção em nível mundial e, de fato, merece políticas e debates. Mas sua complexidade não é apreendida mesmo que nos fixemos nas preocupantes estatísticas e notícias, ou seja, não se reduz a uma história em que há vilões e vítimas, cabendo punir aqueles. E vem resistindo a resoluções legais e aparatos de repressão. Também não satisfaz inculpar alguns atores, como a família, os próprios jovens e os professores. Pode transitar por níveis diferentes de análise, quando há que discutir em qual sociedade vem se dando tais casos, em que instituição , – no caso a escola – e o que se conhece sobre juventudes, em especial por suas práticas, vontades e verbos.
É quando o próprio conceito de violência na escola deve ser ampliado para além daqueles atos que ferem e matam – ameaças, agressões físicas, armas, tráfico de drogas, roubos e furtos.
As violências nas escolas não se limitam a violências físicas. Pedem o acento na ética e na política e a preocupação em dar visibilidade àquelas que ofendem a identidade e dignidade do outro, como o racismo, o sexismo e a homofobia.
As violências nas escolas são a antítese da razão, pautando-se por relações em que não há lugar para o diálogo, a comunicação e a negociação, pilares básicos da educação.
Defendemos que a escola não lida com temas que são básicos e que são sentidos como violências pelos jovens, comprometendo seu bem estar e desempenho escolar, o não reconhecimento das suas identidades ou buscas identitárias e o clima escolar. Tal processo estimula violências que muitas vezes só são reconhecidas quando tomam a forma de “violências duras”[2]. Há que ter mais sensibilidade pedagógica para lidar com a alteridade e a diversidade.
Há um hiato entre a cultura escolar e a cultura juvenil, o que é pouco destacado quando se discute violências nas escolas. E o não conhecimento e reconhecimento do outro, da outra, é uma violência que propicia violências.
O descompasso entre a cultura escolar e a cultura juvenil, a falta de sensibilidade pelas formas de ser dos jovens e como esses privilegiam a comunicação, os saberes que decolam do corpo e das artes, seriam também fontes de conflitos que podem potencializar violências nas escolas.
O jovem é despido da condição de ser jovem ao se transformar em “aluno”. É visto por uma perspectiva exterior, por uma imposição normativa do sistema de ensino, perdendo-se de vista suas buscas e os parâmetros de comportamento que fazem parte das modelagens de juventudes. Desconsidera-se, portanto, culturas juvenis, que se caracterizam por serem dinâmicas, diversas, gregárias e que privilegiam linguagens performáticas várias.
A cultura escolar, muitas vezes, se baseia em uma violência de cunho institucional, a qual se fundamenta em diversos aspectos que constituem o cotidiano da escola – como o sistema de normas e regras que pode ser autoritário, as formas de convivência, o projeto político-pedagógico, os recursos didáticos e a qualidade da educação. Tais constituintes dessa cultura não necessariamente respondem às características, expectativas e demandas dos jovens do século XXI, o que gera tensão no relacionamento entre os distintos atores sociais.
A forma de vestir, por exemplo, é uma marca juvenil que os diferencia dos adultos. Usar piercingnão é uma provocação: é ser jovem e os adultos têm dificuldade de “suportar” marcas do “ser diferente”. A escola não apenas questiona a conduta, como quer padronizar as aparências. Em geral é proibida a entrada de jovens com celular, piercing, touca, boné. O uso do boné, no entanto, é uma questão estética e um dos principais traços identitários de muitos jovens e adolescentes.
A cultura juvenil, entre vários jovens, alimenta-se da chamada cultura de rua e a violência é um componente essencial dessa cultura, tanto para garantir a sobrevivência dos jovens como para que os mesmos sejam respeitados. E, portanto, cometer atos de violência torna-se signo de força, de virilidade, de credibilidade, em um mundo onde eles sentem pouca confiança nas instituições que, em tese, deveriam protegê-los.
Os jovens vivem em uma “sociedade do espetáculo” cujos valores se pautam pela fama e o poder. Não se trata de apologia da cultura juvenil quando esta se entrelaça com a cultura da violência, mas alertar que há que conhecer a formação de tal entrelace para melhor, junto com os jovens, criticar tal sociedade.
A escola tende a considerar a juventude como um grupo homogêneo, socialmente vulnerável, desprotegido, sem oportunidades, desinteressado e apático. Desconsidera-se o que é “ser jovem”, inviabilizando a noção do sujeito, perdendo a dimensão do que é a identidade juvenil, a sua diversidade e as diversas desigualdades sociais. O verbo do jovem não é conjugado na escola.
[1] Miriam Abramovay – Socióloga, Pesquisadora, Coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da FLACSO-Brasil, bolsista da FAPERJ e membro do NPEJI-Núcleo de Pesquisas e Estudos sobre Juventudes, Identidades, Culturas e Cidadanias – CNPq/UCSAL
Mary Garcia Castro – Professora da UCSAL, Programa de Pós Graduação em Família na Sociedade Contemporânea e Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania; Co-Coordenadora do NPEJI- CNPq/UCSAL; pesquisadora do CNPq; pesquisadora da FLACSO-Brasil e bolsista da FAPERJ
[2] Entende-se por violências duras aquelas que são reguladas pelo código penal.