Assisti, nos últimos dias, a um comercial de televisão que me deixou intrigado. Não era um comercial qualquer. No início, parecia ser tratar de um trailer de seriado no “melhor” estilo norte-americano, ou seja, daqueles heróis que possuem poderes transcendentais para resolver os problemas que os humanos mortais ainda não têm. Ao final, percebi que estava enganado, pois se tratava, na verdade, de um comercial da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul (http://youtu.be/lzYL5jMCGY8) “estrelado” por alguns professores daquela escola. Portanto, alguns membros do próprio Ministério Público gaúcho.
Vendo e revendo o comercial entendi, para o bem do debate acadêmico e democrático, ser necessário fazer breve uma reflexão a seu respeito. O comercial dizia que aqueles heróis (com seus carrões pretos, seus trajes impecáveis e seus óculos escuros) “fazem justiça todos os dias; nos tribunais, órgãos públicos e até nas ruas. Todos os conhecem por serem os melhores no que fazem…”. E, dizendo que “agora eles vão trabalhar pelo seu futuro”, como professores daquela escola. O comercial é reforçado com a afirmação de que “essa história não tem nada de ficção.”
Bem, questiono: fazem justiça como? Que justiça? No estilo do comercial, saltando de seus potentes carros e avançando a passos largos e olhar ameaçador sobre os “malfeitores” da sociedade? “Resolvendo” o problema a qualquer custo porque eles são os “melhores”? Melhores em relação a quem ou a o que? São os melhores, os heróis da sociedade?
Ah, mas é apenas um comercial. Sim; pode ser. Mas não deixa de ser extremamente significativo que seja um comercial da Escola do Ministério Público, cujos atores são membros do próprio órgão. Ou será que alguém pensa que a relação entre a ficção e o real não é feita imediatamente (e até de forma inconsciente) quando o comercial é visto? A confusão (fundir com) entre o pessoal e o púbico é clara e imediata e evidente aos sentidos do espectador.
E mais: é gratuita a escolha da forma como aqueles “professores-agentes públicos-heróis” são retratados no comercial? Ou seja, no mais autêntico estilo cinematográfico norte-americano, que traz em sua “arte” o chamado “espírito americano”, com sua superioridade individualista e truculenta, cuja prática e resultados todos sabemos (tanto externa como internamente, e aqui, só pra lembrar, os já corriqueiros massacres em escolas, cinemas e supermercados). Smj, e com as ressalvas necessárias, o referido comercial parece refletir o atual espírito que permeia alguns setores ou, ao menos, alguns dos membros do Poder Judiciário e de órgãos a ele relacionados.
O heroísmo, o voluntarismo, a solução rápida e fácil de qualquer problema, atropelando os procedimentos inúteis (e por isso mesmo, muitas vezes arbitrária e ilegal) pode parecer simpático e agradável aos nossos olhos e ouvidos, enquanto tiver seus resultados e consequências dirigidas á outros, porém, será muito ruim, se um dia, por uma eventualidade qualquer, por força da contingência da vida estiver voltado contra nós mesmos. O herói de hoje, pode revelar amanhã toda a sua “humanidade” e mandar a quem lhe aplaudiu a “chafurdar no lixo”, ou seria essa, também, uma das faceta dos heróis?
Alguém repete: mas é só um comercial. Respondo: ainda bem. Que bom que é só um comercial porque o servidor público, seja em que nível, órgão ou poder for, não pode ter a pretensão de ser um herói. Há normas procedimentais s serem seguidas, sem atropelos, sem surpresas, sem soluções mágicas. A aplicação da justiça tem que respeitar os princípios constitucionais, pautado por um Ministério Público responsável, com a perseguição de provas cabíveis, paridade de meios com a defesa, dentro de um processo legal, com contraditório e ampla defesa.
Qualquer procedimento que não respeite esses limites, por mais heroico que possa parecer, é afrontoso à Constituição e ameaçador à democracia. Portanto, muito embora o senso comum cultue esses heróis, temos que compreender que, quanto mais heroísmo parece ser necessário e praticado, mais longe estaremos de uma sociedade verdadeiramente democrática e mais próximos da barbárie.
Edson Luís Kossmann
Dallagnol Advogados Associados