Foi justamente por considerar essa taxa baixa que o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu prazo de cinco anos para que as universidades federais atingissem a média de 18 alunos por docente. Lula fez isso em 2007, ao lançar um programa bilionário de investimentos destinados a ampliar a rede federal de ensino superior. Naquele ano, o MEC informou que a proporção de estudantes por professor era de 10 para 1, menor até do que a verificada em 2001.
A exigência de aumento do número de alunos por professor foi incluída no decreto de criação do Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), que estipulou a marca de 18 estudantes por docente. A medida seria uma contrapartida das universidades à liberação de novos recursos. Ou seja, o governo daria mais dinheiro em troca de maior produtividade. Desde 2008, levantamento feito pela ONG Contas Abertas a pedido do GLOBO mostra que foram pagos ao menos R$ 2,9 bilhões somente pelo programa.
O mesmo decreto, porém, encarregava o MEC de estabelecer parâmetros para o cálculo da proporção de alunos por professor. O argumento era o de que não se poderia simplesmente dividir o número de alunos pelo de docentes, como faz o Censo da Educação Superior, uma vez que não se deve atribuir o mesmo peso a profissionais com carga horária distinta: dedicação exclusiva, 40 ou 20 horas semanais. Sem falar nos professores que lecionam em cursos de mestrado e doutorado, atendendo turmas necessariamente menores e desenvolvendo pesquisas.
Sem alarde, uma comissão estabeleceu critérios que, na prática, anularam o objetivo enunciado no decreto de Lula. Afinal, a aplicação desses parâmetros resultou numa proporção média de 17,91 alunos por professor já em 2007. Ou seja, no momento em que o governo sinalizava a intenção de atingir a “meta global” de 18 estudantes por docente, a fórmula de cálculo definida pelo ministério já praticamente fazia o serviço. A meta a ser alcançada em troca de mais investimentos para expansão, portanto, já estava cumprida desde o início, e, mesmo pelas novas contas do MEC, pouco mudou. Em 2011, essa proporção era de 17,93, dois centésimos mais elevada do que em 2007. Em 2010, chegou a 19,78.
O Censo da Educação Superior, divulgado anualmente pelo próprio MEC, apresenta números diferentes. Em 2011, considerados os cursos presenciais e à distância, a taxa era de 12,2 alunos por docente, ligeiramente maior do que os 11,2 registrados em 2001. Na época do lançamento do Reuni, o material de divulgação do MEC considerava taxas calculadas com base no Censo da Educação Superior, sem qualquer ponderação: “Quanto à relação professor-aluno, a ideia é que cada instituição possa se planejar, autonomamente, para que atinja a meta de 18 alunos por professor. Hoje, essa relação é de dez por um”, diz texto divulgado no portal do ministério em dezembro de 2007.
O Reuni faz parte de um conjunto de ações lançadas no governo Lula para expandir e levar as universidades federais para cidades do interior. Os gastos do MEC com as universidades federais refletem a expansão: em valores corrigidos pela inflação, a despesa total — incluindo o Reuni — passou de R$ 15,2 bilhões, em 2007, para R$ 25,9 bilhões, em 2012. Neste período, o censo do MEC mostra que, de fato, houve crescimento nas matrículas em instituições federais, que passaram de 615 mil para 1 milhão, uma variação de 68%. No entanto, como o número de professores também cresceu, a relação — tanto pelas contas do MEC quanto pelos dados do censo — permaneceu quase estável.
Se o número de alunos por professor tivesse aumentado dos 10 que o MEC registrava em 2007 para a meta de 18 prevista no Reuni, hoje haveria meio milhão a mais de estudantes em universidades federais. O Brasil, vale lembrar, apesar de gastar por aluno um valor próximo da média dos países ricos, ainda tem, segundo relatório da OCDE — organização que congrega, em sua maioria, nações desenvolvidas — apenas 12% de sua população de 25 a 34 anos com nível superior, o que agrava o quadro de apagão de mão de obra qualificada. A média nos países ricos é de 38%.
O secretário de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), Amaro Lins, diz que o Reuni é um sucesso. Ele informa que só a partir de 2014 a maioria dos cursos criados pelo programa estará completa, isto é, com turmas em todos os semestres (dos calouros aos formandos). Segundo Lins, isso aumentará a proporção de alunos por professor. Tal movimento, no entanto, será contrabalançado pela contratação já autorizada de mais 7,8 mil professores.
— O acordo previa que o governo iria investir. E as universidades mais do que dobraram o número de alunos de graduação. Ampliou-se também a pós-graduação, contribuindo para formar professores de educação básica. A produção de conhecimento também cresceu muito — diz Lins.
Segundo o secretário, o Reuni está em consolidação. Ele aposta que a gestão e a produtividade crescerão nos próximos anos. A redução do número de professores substitutos, de 9 mil para 3,6 mil, entre 2003 e 2012, é outro fator positivo destacado por Lins. Para ele, a relação de alunos de graduação por professor já é satisfatória:
— Sim, é satisfatória para o estágio que nós estamos, concluindo um processo de consolidação da expansão. A expectativa é que tenhamos um ganho de eficiência daqui para a frente.
Amaro Lins defende a fórmula da comissão, da qual faziam parte reitores de federais. Ele próprio é ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco e foi presidente da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes). Segundo Lins, o cálculo não pode ignorar os regimes de trabalho diferenciados nem a atuação dos docentes na pós-graduação. Ele lembra que a pesquisa científica no Brasil é realizada majoritariamente nas universidades federais.
Na contramão do MEC, o Andes-Sindicato Nacional, entidade que representa professores, defende uma proporção mais baixa do que a atual, de 8 alunos por docente. A professora de enfermagem da Universidade Federal Fluminense (UFF) Elizabeth Carla Barbosa, que integra a coordenação do grupo de política educacionais do sindicato, diz que boa parte das contratações de professores anunciadas pelo governo apenas repõem vagas de aposentados.
— O que a gente vivencia na universidade, no nosso cotidiano, é uma precarização de trabalho muito grande. No curso de enfermagem do polo da UFF em Rio das Ostras, nosso projeto indica 46 professores. Hoje somos 21 e ganhamos mais oito vagas. Então, seremos 29, quando deveríamos ser 46.
Elizabeth critica a expansão financiada pelo MEC, pois considera que não foram tomadas medidas para garantir a qualidade dos cursos. Ela reclama da falta de infraestrutura, criticando o fato de que o polo em Rio das Ostras funciona numa escola primária cedida pela prefeitura:
— A gente fica sem água, sem luz. E usa contêineres como salas de aula. A sala dos professores é um contêiner. Um absurdo.
Assessor da reitoria da Universidade Federal de Goiás, o professor de pós-graduação em educação Nelson Cardoso Amaral critica a meta global de 18 alunos por professor estipulada no decreto do Reuni. Segundo ele, não há referências internacionais que justifiquem tal número.
“O sistema público brasileiro — principalmente as Ifes (instituições federais de educação superior) e as estaduais paulistas — USP, UNESP e UNICAMP — não podem elevar muito mais as suas relações aluno/professor, considerando-se que a pós-graduação e a pesquisa brasileira estão concentradas nessas instituições, o que impede uma maior elevação do quantitativo de estudantes em suas turmas, tanto de graduação, quanto de pós-graduação. Ressalte-se que boa parte das instituições privadas não possuem pós-graduação stricto sensu e mesmo assim, o indicador em análise não ultrapassa a marca de 20 alunos por professor”, escreveu Amaral.