O MEC divulgou as 50 melhores e as 50 piores escolas melhor qualificadas no ENEM DE 2011. Dentre as piores são todas rigorosamente públicas, estaduais ou municipais. Dentre as melhores somente três são públicas federais: as Escolas de Aplicação das Universidades Federais de Viçosa e de Pernambuco; o Instituto Federal de Ensino Superior de Vitória, ES; todas as demais são privadas. Divulgou, também, as 27 instituições com nota máxima no Índice Geral de Cursos e as sete com nota mínima. Entre as com nota máxima, cerca de 53% são predominantemente universidades públicas federais e umas poucas estaduais. Nos restante, 37% figuram alguns centros universitários e muitas faculdades isoladas privadas, algumas de longa tradição como a Fundação Getúlio Vargas. Somente por esses dados é possível visualizar descompassos entre os ensinos público e privado, em seus diferentes níveis. Mas não bastam as estatísticas, temos que considerar o que nos dizem os concursos públicos, o mercado de trabalho. Juntamente com os dados do IDEB (Índice de Desenvolvimento do Ensino Básico) e do Movimento Todos pela Educação, a resposta me parece clara: os Ensinos Fundamental e Médio da rede pública são um verdadeiro desastre. Já a educação pública de nível superior é a que exibe melhor qualidade.
Vejamos no que diferem o ENEM e o Vestibular. Assim como o vestibular da maioria das boas universidades é uma prova predominantemente objetiva com questões de marcar e cinco opções, ou seja, se eu marcar qualquer uma das alternativas, é possível ter 20% de chances de acerto, o que os torna igualmente um jogo probabilístico. Como minimizar isso? Aumentando o número de questões e, como no ENEM, atribuindo pesos diferenciados às questões, conforme o grau de dificuldade, mas isso também pode ser feito no vestibular.
Até aí, trocamos seis por meia dúzia! Qual a diferença? O ENEM é uma prova demasiadamente longa, exaustiva e realizada somente em dois dias diferentemente dos vestibulares, que são realizados geralmente em quatro ou cinco dias. Qual a vantagem do ENEM? Diminuição das desigualdades regionais? E se todas as universidades adotassem o mesmo vestibular, com os mesmos referenciais mínimos de aprovação, notas de corte etc? Quem seriam os beneficiados, os egressos das redes públicas de ensino? A verdade é que o ENEM não difere do vestibular, senão para os que optarem pela rede privada de Ensino Superior, por meio do PROUNI ou do FIES. Isto significa para o governo federal bancar com um ensino caro e de má qualidade. Enfim, o ENEM é um engodo.
Como professor universitário há mais de 20 anos, arrisco a dizer que, se o ENEM fosse totalmente descritivo ou, como em muitos concursos públicos, em que uma resposta errada (chute) elimina uma certa, teríamos um verdadeiro desastre, especialmente, mas não unicamente, para os egressos da rede pública, pois o processo de ensino-aprendizagem depende muito também do aluno. Mais do que isso que o ENEM já manifesta resultados nefastos pelo fato de os estudantes elegerem, entre as instituições federais, aquelas em que os cursos apresentam as menores notas de corte, muitas vezes não correspondendo com a sua vocação, e resultando no afastamento do estudante de sua família com todas as consequências disso: dificuldades para manter-se na universidade, desinteresse, despreparo…
A realidade é que muitos desses alunos são verdadeiros analfabetos funcionais, sem as mínimas condições de estarem em uma universidade. Imaginem quando for totalmente implantado o sistema de cotas, em que, necessariamente, 50% das vagas em universidades federais deverão ser destinadas aos egressos do sistema público de ensino. Qual serão as consequências para a qualidade do ensino? Em que isso contribuirá para a igualdade social? Não haverá uma divisão ainda maior entre cotistas e não cotistas?
E quanto ao programa Ciência sem Fronteiras, que permite aos estudantes melhor qualificados no ENEM, pontuação acima de 600 (quando a melhor entre as 50 piores escolas classificadas no ENEM – todas públicas – atingiu cerca de 409 pontos e a média entre a melhor e a pior classificadas ficou em torno de 560 pontos) cursarem suas graduações parcialmente no exterior com despesas pagas pelo governo federal. A quem esse programa interessa? Acaso aos egressos do ensino público? Aos mesmos de sempre, aqueles melhor qualificados. Entretanto, quando sabe-se que os mercados europeu e americano dependem de imigrantes qualificados e semiqualificados para a manutenção e expansão de seus desenvolvimentos econômicos, como admitido por Angela Merckel e Obama, corre-se o sério risco desses jovens não retornarem, pois encontrarão por lá melhores condições. Ou seja, nos tornaremos exportadores de nossas melhores mentes, o que já vem ocorrendo há algum tempo, em detrimento no nosso próprio mercado de trabalho e desenvolvimento.
Por fim, não é preciso ser nenhum gênio para concluir que a solução adequada para todos esses questionamentos e só uma. Ampliar e qualificar a educação fundamental e média e, para isso, é necessário investimento e valorização dos professores. A lei Calmon que estabelece a obrigatoriedade de aplicação anual, pela União, de nunca menos de 13% e pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, de, no mínimo, 25% da renda resultante dos impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino, foi sancionada em julho de 1985. No entanto, a própria União admite, ainda nos dias de hoje, aplicar somente 5,3 da receita de impostos na educação. Todo o resto é tergiversação e propaganda enganosa.
Carlos Frederico Nalepinski Widholzer
Doutor em Ciências e Professor da Universidade Federal de Pelotas