A segurança no trabalho no Brasil, especialmente nas três últimas décadas, evoluiu consideravelmente, levando a um decréscimo da ocorrência de acidentes – comparados ao significativo aumento de trabalhadores. Muitos fatores alavancaram essa mudança. De um lado, o Estado, com a adoção de leis e normas compatíveis com o estágio de desenvolvimento do país, aparelhou-se de forma eficaz. O aparato legal de proteção ao trabalhador, enquanto ordenamento jurídico, não deixa nada a desejar em relação aos países de primeiro mundo. Por outro lado, as empresas, especialmente as de grande porte, promoveram investimentos positivos para seus empreendimentos econômicos. O parque industrial, por exemplo, modernizou-se, em muitos aspectos, com o impacto direto na melhoria das condições de trabalho.
Além disso, o ordenamento formal do trabalho, resultante da implantação dos programas de qualidade (ISO 9000) e de meio ambiente (ISO 14000) e, mais recentemente, de segurança e saúde no trabalho (BS 8800 e OHSAS 18001), propiciou não apenas uma nova maneira de ver, entender e sentir o mundo do trabalho, mas também de se relacionar com ele.
Antes do advento dessa nova maneira de gerenciar, orientações escritas que prescreviam práticas de trabalho se resumiam, basicamente, nas instruções contidas nos catálogos e manuais de ferramentas, máquinas e equipamentos. As instruções de trabalho, na sua grande maioria, eram transmitidas verbalmente aos trabalhadores. O processo de aprendizagem ocorria por meio da observação direta e por tentativas entre erros x acertos. Ao atingir um determinado patamar de acertos, o aprendiz era considerado “apto”, ou seja, habilitado ao trabalho para o qual era preparado.
O processo de comunicação exigido por essa prática resumia-se na fala, na expressão oral, nos gestos e sinais específicos. Esse modelo de gestão não exigia dos trabalhadores escolaridade elevada. Estes, em quase todos os ramos industriais, eram de escolaridade acentuadamente baixa, muitos semialfabetizados, como era o caso de uma parcela considerável dos trabalhadores da indústria da construção civil e da indústria extrativa vegetal e mineral.
A baixa escolaridade, associada à praticidade do trabalho, terminou por não promover o hábito de leitura nos trabalhadores, tão necessária e imprescindível à nova ordem instituída pelo trabalho prescrito. Torna-se difícil vivenciar com desenvoltura, o trabalho formal sem fluência de leitura. Não há como lidar com procedimentos formais (escritos) sem saber, por meio de leitura, compreendê-lo. E é justamente nesse ponto que o trabalho prescrito, desde a época de sua implantação, sofreu seus primeiros percalços que continuam desafiando as políticas das áreas de Gestão de Pessoas de muitas empresas até os dias de hoje.
A prática de leitura entre a maioria dos trabalhadores brasileiros é bem reduzida. E isso se explica, entre outras causas, pela ruim escolaridade real da maioria deles e, principalmente, pela falta de estímulo à prática de leitura por parte das empresas – que ainda não faz parte dos elementos constitutivos das políticas de Gestão de Pessoas da maioria das empresas brasileiras.
Em relação à segurança no trabalho, por exemplo, as incoerências se manifestam principalmente na postura das chefias imediatas dos trabalhadores (supervisores, coordenadores, líderes, encarregados), que, no discurso, demonstram exigir deles o cumprimento das formalidades do trabalho (normas escritas), em contraposição ao que de fato lhes é cobrado. As cobranças não são focadas no “como” se deve trabalhar (cumprimento dos procedimentos), mas somente nos resultados de produção. Os trabalhadores, por sua vez, utilizando-se da mesma tática, em relação ao cumprimento dos procedimentos operacionais, imitam o comportamento de suas chefias reproduzindo a mesma postura, dando a impressão de que lhes obedecem. E, assim, as mudanças pretendidas, em muitos aspectos, não se realizam, pelo menos no âmbito das expectativas.
A falta de critério na definição dos padrões de trabalho, associada à inconstante maturidade cultural brasileira em relação ao que é formal, não deixa de ser a principal causa das dificuldades enfrentadas pelas empresas em desenvolver e amadurecer as práticas de trabalho padronizado. É difícil, senão impossível, imaginar a efetivação de trabalho prescrito sem disciplina operacional (cumprimento) da parte de quem está envolvido, direta ou indiretamente, com ele – o trabalhador e, principalmente, a liderança. Nesse aspecto, é conveniente ressaltar que as heranças culturais brasileiras no que tange à disciplina são sofríveis.
Os princípios éticos e morais preconizados na Europa, na estruturação da Reforma Protestante, só tiveram início no Brasil, tardiamente, no final do século XIX. Esse fenômeno só ocorreu com a chegada dos imigrantes europeus vindos de países onde a Reforma Protestante já havia se consolidado. Acreditava-se que o indivíduo não poderia viver à margem dos deveres que a vida civilizada lhe impunha. Uma vez cumpridos, facultavam-lhe a obtenção de seus direitos. No seu entendimento, não havia princípio de direito algum que não emanasse do cumprimento de deveres.
Voltando à segurança no trabalho, enfatizo que os procedimentos operacionais são escritos para serem cumpridos por todos os colaboradores, indistintamente. As barreiras que se interpõem no seu cumprimento não invalidam as finalidades que os norteiam. Uma coisa são os procedimentos, outra é o seu cumprimento. O ordenamento formal do trabalho pode ser instituído em qualquer ambiente empresarial, sua observação (cumprimento). No entanto, depende do estágio de maturidade da população com ele envolvida.
Eduardo Gastaud
Gestão de Segurança & Saúde Empresarial